Como diria Chico Buarque: Gatos já Nasceram Livres...
Considero os gatos como os únicos seres domesticados que são livres. Paradoxo não? Não acho. Nem o ser humano mais independente emocional e financeiramente conseguiria ser tão livre e independente quanto qualquer gato, mesmo os de "madames". Você pode dizer: "É, mas quem põe comida na tigela deles sou eu, portanto sem mim eles não sobreviveriam". Engano o seu. Você põe comida lá só porque "eles querem", porque é muito mais prático ter alguém a lhes servir. Se não lhes interessasse mais, você deixaria de colocar, pode ter certeza. O interessante é que eles não lhe convençem disso, não dão recados, não solicitam, não mandam. Eles apenas "se mostram". E acaba acontecendo do jeito que eles querem. Smplesmente é assim.
Existe aquela velha facção dos que afirmam que "o gato não tem sentimento para com o dono", que "o gato gosta da casa e não das pessoas" dentre outras tantas que já ouvi do tipo "gato é folgado!". Tudo tem um fundo de verdade, ao mesmo tempo que gerado por um equívoco sobre os sentimentos dos bichanos (sim, eles tem sentimentos, e como!) de quem não cultiva o convívio diário com algum deles. São interpretações para as reações de uma natureza livre e inteligente. Mas liberdade e inteligência natural são elementos muito trabalhosos para a compreensão do ser humano. Ainda mais quando o elemento a ser traduzido é um gato. Então, é bem mais fácil o uso da autoridade. Melhor ser chefe, ou não? Daí os cães no topo da preferência mundial. A coisa com os gatos é um tanto mais complexa. O indivíduo que rompe esta barreira de preconceitos contra o bichinho e resolve adotar um, se supreende. Eis que um dia, surpreso consigo próprio verbaliza: - Nunca imaginei que fosse tão bom ter um gato! - Falo com conhecimento de causa; aconteceu comigo.
O mais importante está em compreender uma regra básica: gatos são "mais eles". Colocam-se em primeiro lugar na escala de preferências. E estão errados? Nós mesmos sabemos que conosco deveria ser assim. O caso é que, no mais das vezes, abrimos concessões em nossas vidas que necessariamente trarão algum tipo de desgosto, de infelicidade por não respeitarmos esta sábia hierarquia. Portanto fica claro que: nada de rolar, pular, sentar, dar a patinha e outras peripécias caninas do gênero teriam cabimento. Para se conquistar o coração de um gato é necessário um esforço extra. Nada de bajulação. Nada de palavrinhas melodiosas e cantadas ou, então, ríspidas como se profere a um cão. Gritaria para um gato, seria "o fim". É necessário um trabalho proporcional aquele realizado para se conquistar o ser amado. Agrado conta sim, mas não é, nem de longe, fator determinante.
O segredo, eu acho, é que você se "relaciona" com um gato. Eu falo de relacionamentos semelhantes ao que se têm com pai, mãe, irmão, amigo, marido, mulher, filho, colega de trabalho. O tratamento deve ser de igual para igual. A diferença é que esta troca nunca é verbal. Eles não vão reconhecê-lo como superiores apenas pelo fato de você ser mais alto e forte do que eles. Você vai precisar empenhar-se num relacionamento aberto e franco. Nesta parceria homem-gato não há espaço para as comuns mentiras possíveis apenas pelo uso das palavras. Tudo entre os dois é confirmado pelos "atos".
Cansei de ver minha namorada chegar de viagem depois de dias fora e encontrar os gatos que ela ama de paixão sem levantarem sequer meia pestana pela sua entrada casa adentro. Pelo contrário. Durante algum tempo procuravam, até, evitá-la. Ao mesmo tempo, nunca vi dois gatos gostarem tanto de alguém como gostam dela. Agora digam: é ou não é uma replesália direta ao estado de abandono a que foram relegados? O interessante é que o fazem sem qualquer afetação ou irritação, sem qualquer demonstração de conflito por agirem assim, sem titubeio. Para eles é assim que a coisa deve ser e pronto. Quando poderíamos imaginar tal reação vinda de um cachorro?
Gatos não abanam rabos para você, embora não consigam ficar deitados sem mexê-los de forma artística. Não pulam freneticamente no seu colo, embora possam fazê-lo esporadicamente, quando tomados por um puro desejo de realizar isto. E se você está no computador e eles querem atenção, não vão ficar miando, implorando como um ser menor. Naturalmente dão uma passeada à frente da tela, impedindo-lhe a visão, como que dizendo: - Estou aqui! Pode parar um instante o que está fazendo e me dar sua atenção?"
Se querem permanecer a sós, você simplesmente não os encontra. Se, por acaso, descobre-os escondidos em algum vão debaixo da cama ou nos meios dos sapatos do armário e os resgata ao colo ou, os acaricia, por exemplo, esteja certo de que eles não demonstrarão a menor resistência. Isto de resistir não é o feitio deles. Só resiste quem não é livre e precisa confirmar sua liberdade. Porém, discretamente observarão o exato momento de pular fora do seu colo para esconderem-se em algum outro lugar ermo do ambiente. E sua reação ao animal não será de raiva ou desapontamento, será de respeito.
São muitas e muitas as atitudes dos gatos que deveríamos copiar, interpretar e seguir. Podemos aprender muito com eles. Principalmente o de tratar e sermos tratados pelos semelhantes de nossa espécie, da mesma forma que um felino impõe-se para ser tratado: com respeito, com cuidado, e, principalmente, observando-se os desejos, anseios e liberdade do próximo.