O "MENTIRÁRIO" (Diário de Classe: Corromperam meu instrumento de trabalho!)
terça-feira, 30 de junho de 2009
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Alguns anos atrás, uma coordenadora pedagógica recusou-se a olhar meus diários de classe, no final do bimestre, alegando que as “notas quebradas”, ali registradas, dificultavam seu trabalho (A dita cuja se dizia licenciada em matemática). Fui, então, encaminhado para a outra, a principal da dupla, em um clima muito ruim de insatisfação pessoal, esta autorizou meus diários assim mesmo, se impôs sobre mim e sobre sua parceira de trabalho, sua intenção era de se redimir de outras ofensas do passado a mim cometidas. Pois, não era só esse o meu problema com os diários, eu me recusava assinar no final de cada linha escrita e no traço diagonal que eu mesmo fazia por recomendação pedagógica, era para inutilizar os espaços em branco. Além do mais, rubricava na linha subtraçada, própria para assinatura, no rodapé de cada folha, e elas queriam o meu nome por extenso. Obrigavam-me a falsificar a minha própria assinatura, uma vez que a minha carteira de identidade ostenta rubrica. Ainda hoje, fazem o mesmo, e há quem goste!
Que "documento" tão sério é esse que somos obrigados a assinar todas as linhas utilizadas, nos forçando a crer que não há nenhuma chance de fraude? Que veracidade tem isso: lançar-se o dia primeiro de junho como letivo, para obrigar professores e alunos a participarem do evento, que é aniversário da cidade de Senador Canedo, validando as aulas que teriam naquele dia! Outra coisa, o que se chama de bimestre, no diário é registrado ora três meses, ora dois e meio! Os coordenadores inventaram isso. Ah, "hora aula" não é "hora relógio", e por aí vai! Todos os professores lançam o tal "sábado letivo" no diário como um dia normal, o conteúdo de um dia escolhido, se o Ensino Médio tem 11 disciplinas fica registrado que cada série teve 11 aulas naquele turno sabático. É possível?
O diário demanda contra a própria coordenação de turno, que tem que dar conta do aluno dentro da unidade escolar, quando um aluno no mesmo período do mesmo dia tem falta com um professor e com outros, não; isto acontece frequentemente, bastando apenas um ou outro professor deixar de fazer a chamada naquela aula, aí surge a pergunta: onde estava o aluno ausente da terceira aula que respondeu a chamada da primeira aula e da última? Sem falar que uns respondem a chamada por outros. O professor devia está preocupado com isso, sabendo que falta, na prática, não reprova? ( pelos critérios da lei é impossível reprovar por falta, sendo a computação das mesmas no geral de horas letivas do ano - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96 - em Art.24 inciso VI). Quem se candidataria a fraudar um diário de classe? Até porque não é índice de crescimento reprovar o aluno! Se simplificássemos esse “gerador de divergência profissional”, ou melhor, desprofissionalizador, acabar-se-iam todas as funções dos coordenadores pedagógicos? – Se isso é o que os faz tremer! O coordenador ainda teria de se preocupar com o cumprimento dos duzentos e nove dias letivos, driblando vários deles com eventos culturais, e conselhos de classe, etc.
Vejo que para os coordenadores, o diário de classe é mais importante do que o próprio professor, provando assim a coisificação do humano que trabalha na unidade escolar. Para castigar-nos, no mesmo colégio em que trabalho, em pleno século XXI, onde já aceitavam o diário totalmente digitado, bastando apenas trocarem de coordenadora, retroagiram, para um tempo do absurdo, obrigando o professor a fazer as folhas da frequência de aluno em manuscrito, o resto do diário continuaria digitado. Assim fica claro a desvalorização da boa estética e da uniformidade do "documento" (a beleza do inútil?). Para justificar a incoerência, a coordenadora explicou-nos que precisava verificar se a chamada era praticada rigorosamente todos os dias (como se ela tivesse disposição para isso), por causa dos professores "malandros" que fazem a chamada por amostragem. Pois é, mas esta mesma coordenadora, em reunião anterior, orientou os mesmos que não deviam lançar faltas para os alunos na última semana de janeiro e nem no mês de fevereiro (2011). De que parte do inferno estão vindo as orientações para o manuseio deste "ditoso" instrumento de trabalho do professor? Agora compreendo, por que uma boa parte dos professores pagam para outros mais inescrupulosos fazerem seus diários de classe. E não tem como não errar o preenchimento do diário, pois a maior parte de seu conteúdo é inventado!
Corrigir provas com caneta de tinta vermelha pode, mas preencher diário de classe com essa caneta nem pensar. O que é mais importante? Já refiz diários sem rasura nenhuma, só porque estava em vermelho. Comprovaram as minhas suspeitas, porque tinha feito de propósito! Só as leis de Murphy explicam, especialmente estas: "Quando um trabalho é mal feito, qualquer tentativa de melhorá-lo piora." "Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível."
Sem falarmos que preencher diários de classe atrofia o cérebro dos professores pela falta de exercício criativo, pois a siste(mato)logia é sem motivação a novos sentidos. É uma rotina descomunal e toma uma grande parcela do seu tempo fora de classe, em que poderiam exercer imaginação fértil. Eu por exemplo só entrego meus diários atrasados, pois tiro um tempinho para exercitar meu cérebro, lendo temas diversificados e escrevendo sobre minhas desgraças (atualizo meu blog toda semana - Crônicas da vida escolar).
Se a escola pública tem fama de fingir ensinar, e o aluno fingir aprender, eu diria que seus documentos fingem uma seriedade impecável. Assim, vamos coniventemente, é claro, em busca da mentira perfeita! Portanto, culpados, mas ainda recebemos o tratamento dispensado aos mais altos escalões da sociedade: “Educadores”. Deveríamos ser chamados de políticos, e os políticos de professores, pois eles é que têm "moral" e merecem salários, cada vez, melhores.
Deixemos de considerar leviano o dolo, e o Sistema Educacional em que estamos inseridos pagará por isso, aliás é um sistema cruel que se vinga de si mesmo. O que farão elas, funcionárias de "notas redondas", desprestigiadoras do computador, quando o "Diário de Classe Eletrônico" for-lhes metido de goela abaixo? Ou goela acima!? E assim como diz Sacha Guitry, vivemos (professores e coordenadores): "Uma das mentiras mais fecundas, interessantes e fáceis é fazer a pessoa mentirosa pensar que acreditamos no que ela nos diz".
Seis anos depois, estou editando esta crônica, acrescentando este último parágrafo, pois o diário eletrônico chegou de fato e em todas as escolas que trabalho, cumpriu-se a profecia. Agora, faço o tal diário digital. A minha vingança foi satisfeita ao assistir as tais professoras com muita dificuldade para lidar com um computador. Mas, não sei se posso ficar feliz, acho que não: Justamente nesse ano, depois de ter digitado todo o conteúdo dos dois últimos bimestres, de todas as salas, a coordenadora entrou em minha conta e apagou tudo, não sei se por incompetência ou de propósito para sacanear comigo, devido minhas críticas. O certo é que tive que digitar tudo novamente. Não sei o que acontece, se no conselho de classe são usadas a listas de notas digitadas na página eletrônica do professor, não falta nenhuma nota e depois aparecem alguns alunos sem nota no boletim ...?! Todos têm a senha de acesso ao diário do professor, só o professor não tem ao SIGE. Imagina se um professor traidor tiver acesso a página de notas do colega...! Nem se fala quando a internet está congestionada, e a plataforma em manutenção sem aviso algum, digita-se de duas a três vezes até salvar o conteúdo e haja tempo desperdiçado. Contudo, quero comemorar o cumprimento da profecia. E o "avanço" tecnológico na educação! E pelo fato de não preenchermos mais diário de papel, acham-se que podem nos encher de trabalho, pois agora estamos sobrecarregado de tantas pautas, projetos e formulários para enviar em tempo determinado. A secretaria bloqueia e desbloqueia o aplicativo quando bem quer, tornou-se a atual Coleira eletrônica: "Os demais que atrasarem a entrega irão ter advertência anexada à avaliação profissional e será prejudicado o recebimento integral do Bônus" - diz a gestora.