Carnaval e suas paixões

Carnaval

O carnaval não é como possa parecer, uma festa de pessoas ricas. É claro, que os ricos aproveitam a festa para tomar suas bebedeiras com bebidas caras; comidas excelentes e sofisticadas e grande intercâmbio (?) com pessoas sinuosas, belas e perfumadas, que funcionam bem, em macios colchões e lençóis de seda importada. O carnaval não é como possa parecer, uma festa de ricos, que enchem os clubes privados e os camarotes dos lugares públicos finamente decorados; muitos deles, com banheiras e duchas, para que as pessoas ricas se refresquem e possam em paz, num ambiente sem odores, assistir tranqüilamente aos folguedos; inclusive, com possibilidades de pedirem autógrafos às pessoas pobres, que porventura estejam circulando nas proximidades. Tudo isso, porque o carnaval não é, como possa parecer, uma festa de pessoas ricas. Além do mais, de onde sairiam tantas delas, para rebolar pelas ruas enlameadas e pelo asfalto fedendo a urina? Insisto, não é festa de rico, porque as pessoas ricas não têm resistência física para sambar ininterruptamente, dias e noites, durante o período da folia! Positivamente, o carnaval não é uma festa de pessoas ricas, pois, as pessoas ricas gostam de dormir cedo e, mesmo pela televisão, não querem perder tempo de sono, assistindo às mulheres sem donaire, com mais ou menos varizes, sacudindo as cadeiras nas passarelas, nas ruas cheias de bosta de cachorro e águas poluídas. As pessoas ricas querem ficar numa poltrona bem estofada, lendo filósofos e historiadores, sociólogos e autores de textos eruditos; muitas vezes lendo no idioma original, pois, as traduções deixam muito a desejar. Afinal de contas, as pessoas ricas precisam ter cultura e muita erudição, para que possam cuidar de assuntos que venham melhorar a vida das pessoas pobres, muitas não tendo o que comer e nem onde dormir um sono de justo, pois, as pobres são mais justas que as ricas...Não sabemos de onde tiram tanta energia para o carnaval, onde podem viver suas fantasias seus deslumbramentos e seus sonhos. Carnaval não é positivamente uma festa de ricos!

Paixões de carnaval

Os adultos ficavam nas janelas vendo as crianças no bloco de sujo, com as canecas pedindo dinheiro...Depois, saiam todos para comer cachorro-quente com bastante molho e refresco de limão, laranja ou abacaxi; ainda tinha o sorvete feito com raspa de gelo - raspava-se o gelo e se colocava o xarope de groselha, de limão ou de abacaxi.O mundo era muito pequeno e mesmo assim, as ilusões eram muito grandes. Eu também me vestia de sujo, embora de sujo não tivesse nada; sacos desfiados à guisa de havaiana ou índio, mas predominavam os vestidos com adereços e turbantes ou simples panos na cabeça. À noite trazia o limpo, isto é, calça branca e blusão de cor; podia-se ir a um clube ou pular nos salões de algum cinema. Lembro-me que, às vésperas de um carnaval, comprei uma calça branca, mas fui dar uma traquejada no ferro e ela ficou furta-cor. Podíamos assistir o desfile de escolas de samba que, àquela época, era realmente diversão de pobre; hoje, são necessários muitos reais para ter o desgosto de assistir a um show produzido. Pude observar pelas transmissões de TV, que o som ficava tão forte, que os passistas não precisavam cantar, limitando-se a fazer mímica; de qualquer modo, o visual é bonito. De manhã era o descanso; às vezes, nova saída do bloco de sujo para arrecadar dinheiro; à tarde, pulava-se nos bondes, destruindo-os, literalmente falando, e causando grandes prejuízos à Light. Não se pagava a passagem e o trocador não se atrevia a criar caso com o folião. A Avenida Suburbana regurgitava de gente e o jardim do Méier era ponto importante da folia; o passeio na Avenida Rio Branco era o máximo. Ouvia-se falar em Copacabana com desdém. Carnaval era na cidade. Nós mediamos o sucesso de nosso carnaval pelo número de conquistas amorosas de cada dia, embora a ousadia tivesse limites bem delimitados. Geralmente, sobravam algumas paixões de carnaval; eu apaixonado incorrigível, gostava de curti-las, deixando que se consumissem com a mesma rapidez com que eram consumidos os dias de folia.