Imprensa Cor-de-Rosa

Imprensa Cor-de-Rosa

Detesto ler entrevistas de gente que teima em dizer que se não arrepende de nada. Irritam-me. Como é que conseguem viver uma vida inteira e fazer tudo certo?

Claro que sei que tudo não passa de um chorrilho de balelas. Só para fazer bonito para as revistas. O meu azar é ler tantas revistas. Não há pachorra para ler nada que não revistas. E mesmo assim fico sempre irritada, cada vez que as leio, isto é, todos os dias.

A culpa é da cabeleireira. Tem todas as que saiem semanalmente. Acabo por ir lá quase todos os dias. Para tratar do cabelo, para arranjar os pés ou mesmo para a depilação. Uma seca. Que fazer senão ler as revistas enquanto espero que o trabalho seja concluído? Odeio ler aquelas declarações de pessoas sempre muito realizadas na profissão ou no lar. Sim, falam muito no lar. E nos filhos e na carreira e no excelente momento de felicidade pelo qual estão a passar. É quase insultuoso. Para nos atirar à cara que nós é que fizemos as escolhas erradas. Podíamos estar naqueles casarões refinadamente decorados ostentando requintadas toiletes. Mas não. Estamos no cabeleireiro. Todos os dias. Por culpa nossa, claro, dizem eles todos sorridentes do alto do cor-de-rosa da imprensa. Às vezes, nos raros dias em que estou mais bem disposta, dou por mim procurando umas linhas em que alguém declarasse a sua miséria interior. Uma alminha que pedisse ajuda dizendo estar mal de amores ou simplesmente queixando-se de tédio ou frustrações várias e persistentes. Um ser mais carente a queixar-se de problemas existenciais ou mesmo simples vícios de jogo ou outros menos glamorosos.

Seria reconfortante. Saber que não sou a única pessoa sem brilho algum a frequentar o cabeleireiro todos os dias.

Mas não. Não há pessoas deprimidas nos periódicos cor-de-rosa. E também vão ao cabeleireiro com bastante frequência pois salta à vista aquele aspecto produzido e urbano. Portanto não é por vir tantas vezes ao cabeleireiro que eu me sinto tão irritada.

Irritada é o meu estado normal. Por vezes fico furiosa, quando alguma coisa corre mal ou mesmo menos bem como deixar grelhar demais os bifes, pois odeio carne bem passada. Então se me servem o naco bem passado no restaurante quando eu peço mal passado...ui...vou aos arames e não há quem me segure. Vou-me a eles! Não tenho pachorra para gente pouco eficiente. Nem tão pouco para gente pouco evoluída. Pessoas sem cultura. Daquelas que nunca saíram de Portugal nem nunca visitaram um grande museu de arte. Não que eu conheça muitos mas pelo menos já fui ao Louvre. Menos que isso atirava-me de uma ponte abaixo. Já basta o que basta e as malfadadas opções que fiz na vida. Mas nem quero falar nisso. Põe-me pior que fula. Fodida! Se fosse menos polida diria fodida.

AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 31/07/2009
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