UM POUCO DE FANTASIA
Meu primeiro trabalho na área do direito foi um divórcio. Eu era ainda um estagiário e não tinha a menor prática nisso. Motivo do pedido de divórcio: a esposa do cliente, no auge da relação sexual, balbuciou o nome de outro cara. Depois de uma longa e penosa discussão, a mulher confessou ao cliente que ela, já há alguns anos, toda vez que fazia sexo com ele, imaginava estar com outro. Ás vezes era o Francisco Cuoco, outras vezes o Tarcísio Meira e ai por diante. Isso foi nos anos setenta. Tentei salvar o casamento deles dizendo ao meu cliente que isso tudo era pura fantasia e que todo mundo (ou quase) faz isso. Não adiantou.
Cerca de vinte e cinco por cento dos partos feitos pela Santa Casa de Mogi das Cruzes são realizados em adolescentes. A maioria delas tem menos de dezoito anos. Algumas ainda nem chegaram aos quinze. Esse é um grande problema de saúde pública, pois essas meninas ainda não têm um organismo preparado para uma maternidade sadia, e seus bebês geralmente nascem com alguma insuficiência que os leva a ficar muito tempo nas unidades de tratamento intensivo, com um alto custo para os cofres públicos. E o pior é que são estes bebês que fornecem a maior parte dos números que abastecem as estatísticas de mortalidade infantil.
Pior que isso é o custo social que essa brincadeira acarreta. Meninas que se tornam mães muito cedo não estão preparadas para criar bem os seus filhos. A taxa de abandono é grande e a marginalidade alcança essas crianças com muita facilidade. São presas fáceis do chamado Quarto Estado, que é o crime organizado. Sem amparo, sem educação, sem proteção do Estado, sem qualquer perspectiva de uma vida decente, acabam nos semáforos, nas ruas, fazendo de tudo para sobreviver. E quanto as jovens mães, a maioria abandona a escola e perde a chance de se educar, se profissionalizar e entrar pela porta da frente no mercado de trabalho. O que sobra para elas é aquilo que ninguém desejaria para uma filha.
Não sou saudosista. Saúdo, com muita satisfação, a emancipação da mulher. Ela é dona do seu corpo e tem o direito de fazer com ele o que bem entender. Mas penso que as meninas dos meus tempos de adolescente tinham mais respeito pelos próprios corpos. Preservavam-se mais. Selecionavam melhor os parceiros e exigiam deles mais responsabilidade. Uma mulher adulta e já resolvida na vida pode ser mãe solteira quando quiser e ninguém tem nada com isso. Mas uma menina que mal aprendeu a prover as próprias necessidades sozinha, não. Ela gera um enorme problema social com sua gravidez precoce. Por isso não sei se fizemos bem em banalizar dessa forma o sexo. Hoje, um jovem encontra uma garota na balada e conversam, dançam, “ficam” por algumas horas. Se der química, é bem provável que terminem a noite numa cama de motel, ou na própria casa de um deles. Não há mais a ternura do namoro, nem a aproximação lenta e amplamente sugestiva dos pequenos avanços, realizados pouco a pouco, estrategicamente resistidos para aumentar o apelo à fantasia. As frestas estreitas, que se abriam pouco a pouco, desvendando o mundo infinito da imaginação, hoje são portas que se escancaram ao primeiro empurrão.
Aqui é o ponto em que a sutileza do romance deveria fazer intercessão com a educação. Pudesse o sistema produzir educadores com essa sensibilidade, para ensinar aos meninos e meninas que um pouco de romance torna o amor muito mais prazeroso.
Não sei julgar se ontem o namoro era melhor que hoje. Mas tenho a impressão que ir para a cama no primeiro encontro prejudica a mística do romance. E depois , pode o amor viver sem um pouco de fantasia?