LITER-ATURA

A LITER-ATURA
Jorge Linhaça

Falar sobre literatura pode ser algo prazeroso e ao mesmo tempo angustiante nos dias atuais.
Se deslizamos pelo caminho mais fácil, apregoando títulos e autores elevados a fenômenos da mídia, seguimos o caminho mais fácil e tranquilo pois, numa sociedade em que vivemos a ditadura dos iguais, ser popular é ser eco, ainda que esse eco reproduza o canto de um galo distante que ninguém sabe ao certo onde ou o que cantou.

Numa visita a qualquer grande livreiro ( livraria ) um olhar minimamente atento nos revela que por volta de 90% dos títulos de destaque das mesmas é de autores estrangeiros com o selo de grandes editoras. Os outros 10% ( se tanto ) são de autores nacionais que frequentam a mídia impressa e televisiva.

Raramente alguém há de encontrar ali um livro de um novo escritor e, quando e se o encontrar, será em algum lugar remoto do estabelecimento.

Claro que, para o consumidor, parece ser mais atraente investir 50 ou 60 reais em um livro que esteja sendo veiculado pela mídia do que gastar metade desse valor em um livro "desconhecido".

Razões para isso existem algumas:

- Quando alguém lhe perguntar que livro ele está lendo, é mais "chic" citar um título do qual provavelmente já se ouviu falar.

- O que gostam de partilhar algum conhecimento e debater sobre uma obra literária, ainda que superficialmente, necessitam que outras pessoas hajam tido contato com a mesma.

- Outrossim há de se considerar que a glamourização da literatura é um fato real.

Não se pode, pois, culpar o consumidor final por seguir, na maioria das vezes, o caminho mais fácil.

Por outro lado a literatura, bem como outras formas de cultura, tornou-se, quase que exclusivamente, um negócio como outro qualquer, onde a busca de um lucro garantido é que permeia as publicações das grandes editoras.

Enviar um manuscrito para ser avaliado por uma dessas editoras demanda um exercício homérico de paciência pois uma resposta, seja ela positiva ou negativa, leva meses ( quem sabe mais de ano) para ser dada. Isso no caso de seu manuscrito não ficar perdido em alguma pilha de papeis ou numa pasta qualquer de um arquivo esquecido no computador.

Do outro lado existem as pequenas editoras, mais ágeis em uma resposta e lutando para montar o seu catálogo com novos autores e rezando para que algum deles se torne um sucesso relativo de vendas através de um site.

Muitas dessas pequenas editoras pretendem realizar um trabalho sério de prospecção de novos talentos e até se esforçam para criar uma rede de distribuição que abrange na maioria das vezes pequenos livreiros.

Infelizmente, para o novo escritor, essas pequenas editoras não tem capital de investimento e todos os custos de uma primeira edição cabem ao autor.

Resta ao protagonista desembolsar suas economias, com a viva esperança de que consiga vender " de mão em mão" seus exemplares para ao menos recuperar o capital investido no seu sonho.

Os custos, na verdade tornam-se menores em uma próxima edição do mesmo título e, algumas editoras "on demand", além dos volumes comercializados pelo próprio autor ( tiragem inicial) disponibilizam o título para compras "on line" ou em alguns pontos de venda, revertendo ao autor 10% do valor de capa do livro.

Trocando em miúdos:

- O autor desembolsa, por exemplo, 25 reais por volume impresso, o que gera a necessidade de vendê-lo por pelo menos 29 reais para chegar a recuperar o capital investido. Se assim consegue fazer, chega a um " custo zero" ( claro que até vender 150 exemplares de sua obra podem haver se passado meses e esse capital retorna picado ).
- Também é verdade que, via de regra, a editora só há de lhe entregar o livro editado após passados no mínimo dois meses do fechamento do contrato. O que significa que quem optar pelo parcelamento da edição estará investindo sem poder ter qualquer retorno durante esse período.
- Caso o autor venda o seu estoque e queira ter em suas mãos novos exemplares de sua obra, pode solicitá-los à editora com um custo de 50% sobre o valor de capa. Aí sim, em cada exemplar vendido ( após a edição inicial) ele pode começar a ter algum lucro
sobre o seu investimento.

- Concomitante a isso, a editora estará comercializando o seu produto e para cada exemplar vendido o autor receberá R$ 2,90.

É por isso que resolvi dar este título a este meu artigo: Liter-atura, pois cabe ao autor aturar o desnível imposto pelo mercado editorial para a concretização dos seus sonhos de viver de literatura.

Claro que tudo isso pode ser considerado como um investimento caso o retorno aconteça a curto ou médio prazo.

O que dificulta que isso venha a ocorrer, no entanto, é exatamente a ditadura imposta pelas grandes editoras e grandes livreiros.

É impossível viver de literatura neste país vendendo-se algumas centenas de livros ( para cada cem livros vendidos, usando o exemplo acima, o autor recebe R$ 290,00) digamos que seria necessário ao autor em questão vender 500 exemplares/mês para poder manter-se apenas escrevendo, isso levando em consideração que seja solteiro e não dado a grandes gastos.

Se tiver que viajar para divulgar o seu livro, os custos com viagens, hospedagem, alimentação, pequenas despesas de transporte, coquetéis de lançamento, etc, acabam por consumir o que ganhou com sua obra.

Já os autores consagrados tem suas despesas pagas pelas editoras.

Ficam então as questões:

O que torna um autor consagrado? A qualidade dos seus textos ou a sua exposição na grande mídia?

Até que ponto é inteligente investir nesse sonho?

O que impede as grandes editoras de investirem em uma "reserva de mercado" composta por novos autores?

Por que a grande maioria delas dá destaque a escritores internacionais ?


Tudo isso deve-se levar em consideração quando se pretende fazer a literatura o seu caminho e o seu ganha pão.