Falando com estranhos

Minha mãe sempre dizia (e provavelmente a sua também):

"Nunca fale com estranhos!"

E eu me perguntava: O que fazer se um estranho falar comigo?

E se eu não “reconhecer um estranho”? O que é um estranho?

Imaginava um ser com 2 cabeças, 3 olhos e 4 braços.

Meu estranho imaginário era multicolorido: Verde, Rosa e Azul. Alguém Petit poá – Isso sim seria estranho!

Até que tive catapora... Bem, foi preciso rever meus conceitos, caso contrário seria eu uma estranha e estaria fadada a uma vida de solidão, já que ninguém fala com estranhos, a não ser talvez, seus semelhantes, coisa que eu não faria – era muito obediente!

O tempo passa e nós crescemos, mudamos, deixamos pelo caminho nossas manchas de catapora, mas não abandonamos os maus e velhos hábitos: “Não falar com estranhos”. Mas afinal, como e quando alguém deixa de ser estranho e merece a nossa confiança ou, numa primeira instância, nossa atenção? É um assunto complexo, mas pertinente. Por que surgiu a tal advertência maternal? Proteção?

Então nossas crianças estão 100% seguras na companhia de parentes e pessoas ditas conhecidas? Em um meio saudavel - Sim. Porém, as estatísticas mostram uma triste verdade: A maior parte dos crimes de abuso e violência infantil ocorre dentro do ambiente familiar. Assim sendo, “proteção” não parece a melhor resposta.

Para se manter alguém totalmente protegido dos perigos do mundo, só mesmo pondo-o numa redoma - e de diamante – pois a de vidro quebra fácil. Teríamos nosso bem mais precioso muito bem guardado: Ele não falaria com estranhos, nem com conhecidos, com ninguém! No máximo abanaria – isso se o cristal permitisse a visão!

Como, senão interagindo com estranhos, fazemos amigos e amores? Ainda mais nos dias atuais, com a popularização da internet conectando pessoas – estranhas e distantes – conceitos estes que se tornaram questionáveis e relativos.

Deixando de lado a física e a geografia: simples presença não significa real proximidade. Quanto tempo é preciso para se conhecer alguém realmente? Meses, anos? Toda uma vida? Tanto faz. Não é o tempo quem transforma estranhos em conhecidos, mas sim as experiências trocadas, as memórias geradas, a real proximidade alcançada.

Com que freqüência você realmente fala com estranhos?

Algo além do trivial, aquilo que pede a boa educação. Já se preocupou em saber o nome do porteiro, padeiro, lixeiro, enfim, de algum dos “estranhos nossos de cada dia”? Aqueles que nos atendem gentilmente, diariamente e dos quais dependemos muito mais do que valorizamos!

Já pensou se num belo dia todos estes “estranhos conhecidos”’ simplesmente sumissem? Certamente seria um caos! Mas sabe o que é mais estranho? Você os vê com mais freqüência que a muitos de seus amigos e parentes. Alguns talvez até os vejam mais do que a sua própria mãe e nem ao menos sabem seus nomes. Isso quando os cumprimentam!

Este “estranhamento opcional” esconde em si um preconceito social, disfarçado e enfeitado por nomes bonitos: privacidade, pressa, polidez.

Quem já conhece esta verdade, merece os parabéns!

Quem não conhecia, que tal a partir de agora, nem que seja só um pouquinho, pela indispensável boa educação ou ao menos pra provar que você cresceu, ao contrariar a velha ordem:

Vamos falar com estranhos?