Arapucas

Tive uma infância repleta de brincadeiras ao ar livre, de árvores frutíferas, de brinquedos simples - e carregada da presença engenhosa de meu pai, que inventava brincadeiras (hoje não muito corretas politicamente) que quase sempre envolviam animais, insetos e plantas. Seu amor à natureza certamente me fez um ser humano mais consciente do ambiente, numa época em que pouco se falava nisso.

Uma destas brincadeiras era armar arapucas em locais povoados de pássaros. Para quem não conhece, arapuca (do tupi, armadilha) é um tipo de casinha feita de gravetos, com formato de pirâmide, elaborada especialmente para isso - pegar pássaros e pequenos animais. Seu funcionamento é simples: dentro dela, uma guloseima adequada ao animal que se pretende aprisionar, e um mecanismo tosco de fechamento quando a vítima nela entra. Meu pai ficava à espreita com um cordão que puxava um gravetinho, que por sua vez fazia com que a casinha caísse fechada sobre o animal. Mas acho que ele gostava mais era mesmo da espera.

Uma vez pego, o pássaro era apenas analisado, fotografado, admirado. Meu pai invariavelmente o soltava logo depois – não lembro de gaiolas na minha infância.

Mas, mesmo tendo presenciado a prisão temporária de tantos pássaros em arapucas caprichosas que meu pai adorava montar e armar, depois de adulta caí eu mesma em várias delas. Dentro, um apetitoso petisco, uma visão onírica, uma promessa de felicidade... e, uma vez atraída, zás, a cordinha era puxada e lá se ia minha alegria. Mas os caçadores de almas da minha maturidade nem sempre se contentam em analisar, fotografar, admirar: alguns arrancam penas, maltratam, torturam. Ou simplesmente desprezam, o que é uma forma igualmente cruel de tortura.

Não sou um pássaro com um cérebro do tamanho de uma avelã, mas também não sou a malícia em pessoa. Às vezes, acredito sinceramente nos petiscos. Porque são belos, bem falantes e simulam sentimentos verdadeiros? Caio em arapucas porque me parece inacreditável que ainda possa haver tais artefatos, e principalmente seus manipuladores cruéis? Ou será que, em parte inconscientemente, meço as conseqüências que podem advir de minha curiosidade e avalio erroneamente a importância do atrativo ali exposto?

Certo, acho que não. Talvez deva apenas admitir que meu cérebro é, de fato, do tamanho de uma avelã. Piu piu.