Dia de domingo em minha casa

Estou esperando que todos voltem da missa. É domingo e o sol lá fora arde nas calçadas das ruas, esquenta as piscinas do condomínio e coloca em todos nós uma sensação de malemolência insana. Eu não quero fazer nada o dia todo, apenas ficar sentado, vendo televisão, assistindo a filmes, comendo muito e brincando com as meninas.

Como eu espero ansioso a chegada delas e como planejo de que iremos brincar! Andar de bicicleta ou ver sites de jogos? Assistir àquele DVD pela milésima vez ou desenhar na mesa da avó?

Pois é, fico imaginando coisas que elas gostariam de fazer. E me pego pensando no que é que minha irmã iria fazer com elas hoje. Será que iria levá-las ao parque, ou à casa de parentes, amigos, ou iria ficar com elas e o marido em sua casa apenas curtindo mais um dia de domingo...

Não dá para imaginar, nem dá para pensar em como seria, nem em como será. Apenas fico matutando em pensamento o que se passa nas cabecinhas destas meninas, como é que vêem o mundo e o que esperam da vida...

Eu não espero mais nada. Quero apenas poder viver em paz e proporcionar a elas e a quem amo o melhor que eu puder. Isso se me for permitido.

Enquanto elas não chegam, arrumo um pouco a pequena desordem da casa, como revistas e jornais espalhados pelo sofá da sala. Aspiro o cheiro da lasanha preparada por minha mãe e já me dá aquela fome de devorar todo o prato. Depois, eu vou ao endócrino, com a maior cara-de-pau, e pergunto o porquê de eu engordar tanto – risos.

No computador sobre a mesa da sala preparo um sarau sobre Elis. Penso no site da editora e em tudo o que tenho de fazer para deixá-lo ainda mais bonito. Puxa, quando é que vou descansar...

Faço a minha barba e descubro em meu globo ocular manchas vermelhas. Falar que não me apavorei é mentira, fiquei pensando a razão. Acho que devo descansar mais.

O domingo vai ditando o seu ritmo a cada minuto, telefono a um amigo, combinamos outro trabalho, ligam para mim, lembro da cantora que vem de Sampa para me ver. Recebo textos para ler e permaneço à espera, só na espera.

Como estão demorando... Será que devo ligar? Começo a ficar impaciente e vou percebendo aos poucos que a minha vida, tão imprevisível, é totalmente previsível. Será isso um sinal da idade? Não sei.

O que eu sei é que a minha barba tem inúmeros fios grisalhos. Acho isso sensacional. Talvez me respeitem agora - risos - ou então me internem em um asilo. Aliás, eu quero dar o mínimo de trabalho a todos quando chegar a minha hora. Se eu puder morrer sozinho, na minha casa, será uma grande graça.

Acho que eles chegaram. E acho que também termino agora. O domingo apenas começou, mas a minha vida tem muito ainda para ser vivida.

Texto publicado no livro Sangue: literatura e outras loucuras, de Márcio Martelli, Editora In House (2008).