EU SOU DUZENTOS?
Para mim, a ideia de escrever nasce do abstrato, cresce na imaginação, firma-se no concreto e desconsidera o quantum.
Ao escrever o texto nº 200 penso em Mário. Mário de Andrade era “trezentos”, era “trezentos e cinquenta”. Infinito em sua imaginação, incontável na sua criação.
Eu, que nunca me afeiçoei a números, surpreendo-me pelo fato de haver até aqui chegado, embora ínfima seja a quantidade da minha produção. Entre o premeditado e o casual, move-me a súbita evidência de que resulta o texto. Ele nasce, vai a lume, e me põe diante da mesma incerteza numérica ironizada por Machado de Assis em Memórias Póstumas, quando Brás Cubas assim adverte o leitor:
“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consterna é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito dez. Dez? Talvez cinco”.
Essa imprecisão despreocupadamente ironizada à “pena da galhofa” assemelha-se à minha. Diferença radical é que não sou um Stendhal, tampouco um Machado. Aqui no Recanto das Letras escrevo pouco, publico menos, sem a inquietante avidez de produção quantitativa. Exercito-me no pouco para que, se um dia chegar ao muito, nele haja conteúdo. Não sou um profissional das letras. Porém já disse aqui que não vivo de escrever, mas escrevo para viver. A literatura não é minha paixão. Paixão é sofrimento. A literatura me dá alegria e prazer. E o prazer de escrever não é menor do que o de ser lido. Aqui especialmente. Este é o momento de reverenciar a todos que me leem; e o faço na privilegiada condição de leitor também.
A literatura fez da poesia a minha amante. Temos um caso, um pacto implícito. E este amor sublima uma virtude que não é só minha, mas também de todos que, na palavra escrita, têm o seu ofício. Profissional ou não, mas conscientes do papel do escritor, que é um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos e das palavras.
Este é o papel do escritor, do poeta, do apóstolo.
Para isso, toda a altura, toda a nobreza interior são pouca ainda.
Ser muitos em um só. Ser vários numa essência plural, para chegar a todos.
“Multipliquei-me para me sentir.
Para me sentir, precisei ser tudo.
Transbordei. Não fiz senão extravasar-me.
Despi-me, entreguei-me.” Disse Fernando Pessoa.
Sentir tudo, de todas as formas. Não é o escritor um pensador isolado, unilateral e absoluto. Ele é parte integrante do mundo, que através dele pensa, evolui e faz história. Para isso tem que ser múltiplo em mais que duzentos. Tem que ser trezentos, trezentos e cinquenta.
Para mim, a ideia de escrever nasce do abstrato, cresce na imaginação, firma-se no concreto e desconsidera o quantum.
Ao escrever o texto nº 200 penso em Mário. Mário de Andrade era “trezentos”, era “trezentos e cinquenta”. Infinito em sua imaginação, incontável na sua criação.
Eu, que nunca me afeiçoei a números, surpreendo-me pelo fato de haver até aqui chegado, embora ínfima seja a quantidade da minha produção. Entre o premeditado e o casual, move-me a súbita evidência de que resulta o texto. Ele nasce, vai a lume, e me põe diante da mesma incerteza numérica ironizada por Machado de Assis em Memórias Póstumas, quando Brás Cubas assim adverte o leitor:
“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consterna é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito dez. Dez? Talvez cinco”.
Essa imprecisão despreocupadamente ironizada à “pena da galhofa” assemelha-se à minha. Diferença radical é que não sou um Stendhal, tampouco um Machado. Aqui no Recanto das Letras escrevo pouco, publico menos, sem a inquietante avidez de produção quantitativa. Exercito-me no pouco para que, se um dia chegar ao muito, nele haja conteúdo. Não sou um profissional das letras. Porém já disse aqui que não vivo de escrever, mas escrevo para viver. A literatura não é minha paixão. Paixão é sofrimento. A literatura me dá alegria e prazer. E o prazer de escrever não é menor do que o de ser lido. Aqui especialmente. Este é o momento de reverenciar a todos que me leem; e o faço na privilegiada condição de leitor também.
A literatura fez da poesia a minha amante. Temos um caso, um pacto implícito. E este amor sublima uma virtude que não é só minha, mas também de todos que, na palavra escrita, têm o seu ofício. Profissional ou não, mas conscientes do papel do escritor, que é um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos e das palavras.
Este é o papel do escritor, do poeta, do apóstolo.
Para isso, toda a altura, toda a nobreza interior são pouca ainda.
Ser muitos em um só. Ser vários numa essência plural, para chegar a todos.
“Multipliquei-me para me sentir.
Para me sentir, precisei ser tudo.
Transbordei. Não fiz senão extravasar-me.
Despi-me, entreguei-me.” Disse Fernando Pessoa.
Sentir tudo, de todas as formas. Não é o escritor um pensador isolado, unilateral e absoluto. Ele é parte integrante do mundo, que através dele pensa, evolui e faz história. Para isso tem que ser múltiplo em mais que duzentos. Tem que ser trezentos, trezentos e cinquenta.