CRISE EXISTENCIAL
 
 
         Estava assistindo a novela “Caminhos da Índia”, uma novela que distrai e a gente não entende fala nenhuma, mas tem sido uma distração, um momento relaxante em que se deixa de pensar nos acontecimentos da vida, não acrescenta nada, mas prende a atenção para saber como acaba, quem fica com quem, quem mata quem, quem é filho de quem, enfim chegar ao final da história.
         Ando ultimamente meio desanimada e pouco criativa. Pensei que era preguiça e frio. Até a pouco tempo eu não tinha TV e não fazia falta nenhuma. Aliás, comprá-la, vejo agora, que já foi um sintoma de anormalidade. Não começo o dia cantando mais, rego pouco minhas plantas da varanda e dou água pros passarinhos só porque eles se multiplicam e insistem muito nos hábitos adquiridos.
          A novela ia terminar e procurei o controle para ficar pronta para desligar. Não achava o controle no meio das almofadas, nada sob a mesinha, talvez caído debaixo de sofá, dentro da cestinha de linhas e bordado... Droga, porque apagara a luz? Bom, desisti, depois eu acho, melhor tomar um café com leite antes de ir dormir.
          Fui à cozinha e já o “Casseta” começou satirizando a novela. Meu Deus! O controle estava sobre a pequena geladeira...
         Porque isso acontece?
Pra onde anda indo minha memória e consciência? Já há alguns meses senti a memória meio esquecida e comentei com meus filhos. E o filho disse “mãe vc está saindo pouco, vc só escreve, vc isso e aquilo” ! E a filha “Mãe vc está com depressão, vc não liga pra nada, não vai mais ao sítio, não isso e aquilo; acho que vc deve ir ao psiquiatra, vou marcar hora pra vc, por que pra mim ele fez muito bem”. Concordei meio contra a vontade, mas ando esquecendo coisas, palavras, a vida está repetitiva, as semanas passam rápidas e nem me interessa qual é o dia da semana... Hum... Porque essas coisas estão acontecendo? Será o início do mal de Alzheimer? Será mesmo depressão? Que acontece?

Estou numa boa, em paz, participando de uma Antologia de prosa poética e preparando um livro de crônicas já com título e tudo combinado com a editora... Penso no que sentirão os meus filhos ao pegar o livro pronto nas mãos! O prazer em escrever tem me absorvido mesmo e quase nem bordo e nem cinema de telão me atrai muito, parece que o tempo é precioso com as palavras. As palavras tem sido um verdadeiro companheiro. Uma realização.  Ando tão feliz... Só de ver os selinhos Tintins agitados de alegria bebericando, sento no sofá e o sorriso invade o meu rosto, abençoando o meu dia a começar, absorvida no encanto deles, que presente de Deus, meus lindinhos!
         Mas o controle da TV sobre a geladeira extrapolou. O psiquiatra que é também clínico geral pode ser solução de saúde e da memória.
         Fui.
         Já estou até escrevendo sobre ele.
         Mas ele roubou a alegria e as minhas certezas. Sento no sofá depois do atendimento aos selinhos sem muita vontade, olho a passarada e não sorrio mais. Nada penso. Nada sinto também. Porque isso acontece?
Droga, psiquiatra não é psicólogo, não entende nada da alma da gente. Bem que ele me alertou “Sou médico”. Acabou comigo, mas só percebi isso no dia seguinte e nos outros.
 Como médico deu uma informação:
que o tratamento para a memória é uma realidade, que é reversível e a memória voltará ao normal, que a memória pode ser perfeita até aos noventa anos, e que nem pensar em Alzeihmer; que tudo que se fala por aí é pura lenda de leigos. Até ai eu estava levando a consulta numa nice, solta e alegre. Todas as respostas às suas perguntas não o satisfaziam.
Comecei a respeitá-lo de fato, quando ele me assegurou a informação: a memória é recuperável, fica tão saudável , como sempre foi.
A isso fui tomada de um espanto seguido de enorme emoção.
EU: MAS VOCÊ ESTÁ ME DANDO ESPERANÇA?! Eu não acredito em esperança. Sou contra esperar alguma coisa, sou mais é fazer a coisa acontecer. Esforçar. Atuar. Realizar. Construir.
A emoção foi ampliando e ocupando todos os meus espaços. Saí de lá emocionada sem saber do que. No taxi de volta de Ipanema até a Gloria fui desabafando com o motorista do taxi e o choro querendo se soltar. Ele procurou acalmar dizendo “pensa nas coisas práticas, de modo prático” compreensivamente, como um psicólogo.
     Depois do encantamento que “ainda posso ter esperança”, veio a desolação de ter perdido o tempo em que começou a depressão, e se tivesse tratado eu poderia ter tido outra vida, ser feliz!
     Dia seguinte, o triste,a aceitação.
     Uma amiga, um anjo bom, fez umas perguntas que vou tentar responder.      Talvez uma crise existencial.