Casa Grande & Senzala

Calma! Plagiei propositalmente o escritor pernambucano Gilberto Freyre. Toda fazenda que se preza tem uma casa. A senzala não. E em algumas propriedades têm muitas casas. Porém uma delas é destinada aos patrões. Geralmente é a melhor, a mais ampla, a mais vistosa, mais confortável e, às vezes, mais funcional. Esta é memoravelmente consagrada de casa grande.

Na Fazenda Cabrito de propriedade de Zeca Macêdo ou Zeca Vigário, e de Dona Toínha, meus avôs paternos, havia a sua casa grande. Eu a freqüentei por muito tempo. Cada período de férias lá me ia prá deleitar da hospitalidade e bem-querer do meu avô. Eu era o neto mais chegado.

Na maioria das vezes todas as casas de fazenda têm sua fachada voltada para uma estrada, para um bom curral ou para as duas coisas. No nosso caso aconteciam as duas situações. A estrada passava tangente e o curral ficava bem em frente. São detalhes estratégicos.

A residência dos Macêdos fazia jus ao codinome. Era extensa e larga. Realmente era uma casa boa de morar. Localizava-se no pé de uma ladeira. Sua frente era para o nascente. Conseqüentemente sua retaguarda ficava em sentido poente. Tinha de dez a doze metros de largura e por volta de uns quarenta metros de comprimento.

Na sua fronte existia um alpendre que ocupava toda a largura da área construída da casa e media uns três metros de largura. Era um local de bater papo, se reunir à noite, ouvir as histórias mal-assombradas e fantasiosas dos trabalhadores, e matar o tempo até aparecer o sono.

Zeca Vigário acordava muito cedo. Por volta das cinco horas já havia friviado tudo. Já tinha raiado com muita gente. Neste horário ele me chamava e, muitas vezes, amanhecíamos o dia sentado no alpendre. Conversando, ouvindo os pássaros cantar, olhando o curral, ouvindo o leriado do locutor da Rádio Alto Piranhas de Cajazeiras, e observando a ordenha do gado pelo vaqueiro.

Entrando pela porta principal tinha um espaçoso cômodo. Este era a sala de estar ou sala de visita, com duas janelas para o alpendre. Ali rezávamos o ofício à noite. Acompanhava ¾ da largura do alpendre. Nela ficavam pregados nas paredes os quadros dos santos de nossa devoção e as cadeiras para receber os visitantes. Ligada a esta, tinha um recinto que ocupava o restante da largura da casa. Era acessado por uma porta a partir da sala principal.

Este ambiente que ficava colado à sala de estar funcionou por muito tempo como uma bodega para fornecer mantimentos aos moradores, ou colaboradores como se fala hoje em dia. Ele apresentava uma janela que se comunicava com o alpendre, e outra que ficava no lado sul.

Este pequeno estabelecimento comercial mantido por meu avô me serviu muito. Aqui e acolá eu pegava uns trocados na gaveta para gastar. Claro que era como gorjeta pelo serviço que eu prestava na própria quitanda.

Adentrando a casa uma porta dava para um corredor com uns três metros de comprimento por dois de largura. À direita e a esquerda deste, tinham quartos. E acima havia um sótão onde eram guardados alguns mantimentos da produtividade dos bons invernos. Somente o quarto da esquerda tinha comunicação com o corredor. Neste Zeca Vigário repousava à noite. Ele dormia sempre de rede. O outro quarto era acessado pela sala de jantar.

E por falar em sótão lá era um local ideal na brincadeira de esconde-esconde. Quando alguém se abrigava lá era muito difícil encontrar.

A sala de jantar vinha em seguida ao corredor. Possuía mobília própria para o espaço. Era do mesmo lado, tamanho, e largura da sala de estar. Tinha uma janela no lado norte da casa. Para esta sala abriam as portas de dois quartos. Um que ficava entre esta e a sala de visita. E outro que ficava no lado correspondente ao da bodega. Era o famoso quarto da “sala de janta” onde eu dormia quando me encontrava por lá.

Em seguida acessava-se uma área aberta. No meio desta tinha um coqueiro. A direita ficava a cozinha e dispensa. A primeira maior do que a segunda. Na cozinha tinha um funcional fogão a lenha. As paredes eram esfumaçadas. Na dispensa tinha os girais de por os queijos para curar. Algumas varas penduradas por cordas nas extremidades para colocar carne seca, tripa de porco, etc. E outros depósitos próprios de um dispensário. À esquerda da referida área observava-se um espaço coberto usado como refeitório.

Ao redor da casa tinha alguns detalhes que julgo importantes. Diante do alpendre tinha um frondoso pé de benjamim. Do lado norte tinha uma construção com três cômodos chamados de armazém. Serviam para guardar ferramentas, utensílios de montaria, e correlatos. No fundo, há uns cinco metros da casa, tinha a privada ou sentina ou latrina. Ao sul próximo a parede do quarto da sala de janta tinha um forno de barro onde se assava bolo de puba na palha da bananeira e galinha caipira para servir na “renovação”.

A casa era toda rebocada. Coberta de telhas. Seu pé direito tinha uns quatro a cinco metros. Já seu piso era de cimento “queimado” o que facilitava sua limpeza. Naquela época não se falava em cerâmica. Não lembro, mas acho que a casa era amarela. Tinha torno em tudo que era parede.

Desta morada eu guardo muitas recordações. Momentos verdadeiramente mágicos. Tenho muitas saudades da casa grande.

Arimatéia Macêdo – www.arimateia.com