Magnetismo

Magnetismo

Pára diante da vitrine de relógios, uma das manias que tinha, embora consciente de que jamais compraria qualquer deles; há objetos que são definitivos, que só podem ser substituídos por motivo de força maior; pra que ter 3, 4, 5 ou mais relógios? Acaso usaremos dois de uma vez? É possível que seja influência daquela escultura de Paris, com um amontoado de relógios, ou mesmo, da pintura de Salvador Dali, que colocava um relógio escorrendo como se fosse um ovo na frigideira. Parou diante da vitrine, pois, num átimo enquanto saia da galeria foi fulminado por dois olhos azuis, que pareciam pedaços de céu sem nuvens, de um azul absurdo; parou diante da vitrine, dai a divagação sobre os relógios, e concentrou o olhar naquele olhar, cuja face se desmanchou num sorriso muito branco emoldurada pelos cabelos dourados; ficou parado num estado de perplexidade, sem ter o que fazer, ou sequer esboçar um sorriso, sentindo apenas sua aproximação, seu perfume e a tessitura de sua blusa num tênue adejo; beijaram-se na boca, como se estivessem representando em palco armado numa rua sombria; antes que pudesse compor qualquer frase, ouviu-a dizer - nós não existimos! Partiram como se realmente não existissem, como se não houvera aquela cena, como se jamais se tivessem visto; acompanhou-a com olhar melancólico, até que sua imagem se desintegrou, como se a sedução fosse apenas um acaso, que lhe deixasse na boca o gosto do raro momento de felicidade!