O CICLO DA VIDA
ESTE TEXTO É PARTE INTEGRANTE DO LIVRO "O MENINO QUE QUERIA VOAR" (2007)Romance infanto-juvenil.
(...)Vera estava sentada na poltrona alojada no canto do quarto de Clara, quando Nino irrompeu-se porta à dentro, com o ramalhete de flores nas mãos. Quando avistou Vera, ficou vermelho de vergonha e ameaçou voltar.
- Nino! Que bom vê-lo ainda por aqui. Veio visitar a nossa Clarinha?
Gaguejando por ter sido pego de surpresa, o menino tentou se explicar.
- Bem! Eu queria saber como ela estava e aproveitei para trazer umas flores do campo para enfeitar o quarto.
- São lindas! Exclamou a menina, deixando transparecer toda doçura e meiguice que brotavam em suas palavras e em seu olhar.
- Muito obrigada, Nino. Foi muito gentil da sua parte se preocupar com nossa amiguinha.
- Eu já vou indo. Preciso alcançar o pessoal.
Despedindo-se, Nino saiu rapidamente, evitando o olhar de Vera, tentando ocultar o que seu semblante acabara de demonstrar.
- Que bom que vocês ficaram amigos, Clara. O Nino é um garoto muito sincero e dedicado. Suas amizades são pra valer. É aquele tipo de amigo “pra todas as horas”, entende?
Clara balançou a cabeça confirmando a pergunta. Ajeitou-se na cama de forma que Vera não pudesse ver seu rosto e em silêncio, chorou. Não demorou para que a professora percebesse o que estava acontecendo, e levantando-se da poltrona foi se sentar na beira da cama. Abraçou-a e carinhosamente beijou-lhe a face, permanecendo assim por um longo tempo. Percebendo o quanto era amada, Clara tomou coragem e abriu seu coração:
- Sabe, Vera. Perdi meu pai quando ainda tinha dois anos. Lembro-me dele somente através das fotografias e filmes que vejo constantemente em minha casa. Minha mãe nunca se casou de novo e procura manter em nós a memória viva dele. Sinto muito a sua falta, principalmente quando acontece alguma coisa que sei que ele gostaria de presenciar. Minha mãe me contou certa vez, que ele dizia que quando eu me tornasse mocinha, ele compraria meu primeiro absorvente. Estava pensando nele e me sentindo muito sozinha, até você chegar. A sua presença está sendo muito importante para mim.
- Obrigada, querida. Você também é muito importante para mim. Estou muito feliz por ter ficado contigo.
-Sabe, estou sentindo umas coisas diferentes em mim. Às vezes, quando estou sozinha, sinto um aperto no coração, uma vontade de chorar. Agora, por exemplo, não consigo deixar de pensar no Nino. Gosto muito dele, mas sinto como se fosse um medo dentro de mim, afinal, nos conhecemos ainda ontem.
- Oh! Querida. Não fique triste. Você está bastante sensível neste momento. Este é um estado natural na sua idade. Tudo indica que vocês estão se gostando, se apaixonando. Foi tão lindo vê-lo trazendo-lhe flores. Dê tempo ao tempo. As coisas vão se acomodando em seus verdadeiros lugares e o que tiver de ser, será.
Imagine que a vida seja um grande mosaico, composto por centenas, milhares de pedrinhas. Cada uma com sua forma, sua cor, seu jeito. Estas pedrinhas são suas ações, seus sentimentos, seus momentos de vida. Embora a forma e a cor possam ser modificadas, de acordo com o lugar onde você as coloque em seu mosaico, só o tempo pode fazer as mudanças necessárias para que o encaixe, numa nova posição, seja perfeito.
Muitas vezes, inexperientes e desajeitados, deixamos cair algumas pedrinhas pelo caminho. O espaço vazio criado no mosaico da nossa vida precisa de alguma forma ser preenchido. O tempo desloca todas as pedrinhas restantes em nosso mosaico, de forma a se encaixarem o melhor possível para preencher aquele espaço deixado pela pedrinha perdida. Não obstante, devemos ter uma só certeza em nosso coração: uma vez perdida ou deslocada uma só pedrinha no mosaico da nossa existência, todas as outras se movimentarão para que o mosaico, de alguma forma se complete.
Deixe-me dizer uma coisa que muita gente na sua idade acha muito careta e até ultrapassado: Cada coisa em nossa vida tem seu tempo e seu lugar. Quando antecipamos viver qualquer momento, deixamos de viver outro, quem sabe ainda melhor. Se nos projetamos à frente, com volúpia, amadurecemos cedo de mais. É como um fruto apanhado antes da hora e colocado em uma estufa para antecipar o amadurecimento. Este fruto jamais terá o mesmo sabor daquele que amadurece a seu tempo e podemos apanhá-lo diretamente na árvore que o gerou. Você está iniciando o seu amadurecimento agora. Ame intensamente este momento. O momento presente é o único que nos pertence. O que passou a um segundo, já é passado, não nos pertence mais. O segundo seguinte é futuro, é impossível vivê-lo verdadeiramente no agora. Somos sementes do agora. Germinar cedo demais fará com que nossos frutos percam essência e sabor. Tarde demais, estaremos vulneráveis às pragas e as intempéries do tempo. Para que uma fruta seja saudável e saborosa devemos semear em terra preparada e fértil, podá-la na hora certa e do jeito certo, acompanhar atentamente seu desenvolvimento e esperar. Para tudo há seu tempo, minha querida. Para tudo há seu tempo. Não tenha medo de abrir seu coração, porém, tenha muito cuidado na escolha da pessoa em quem vai confiar a guarda dos seus sentimentos. Tenho certeza que saberá o momento certo para cada coisa em sua vida. É preciso que deixemos livres, todas as coisas que amamos; só assim saberemos se elas realmente nos pertencem ou não. A liberdade não deve ser confundida com libertinagem ou qualquer outro sentimento que não traga em si o respeito e a responsabilidade por aquilo que amamos. Faz-se necessário estabelecer alguns limites, pois a liberdade só faz com que sejamos nós mesmos se jamais invadirmos a privacidade do outro (...).
Enquanto Vera falava, acariciava os cabelos de Clara, que a ouvia com o coração à flor da pele e os olhos umedecidos pela emoção. Não entendia ainda o porquê, porém, seu peito respirava aliviado e a paz renascia em seu semblante(...).
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