ENGENHOCA MATA-FORMIGA

Itamaury Teles

O Padre Silvestre Clasen foi pároco por muitas décadas em Francisco Sá, o antigo e querido Brejo das Almas, cantado em prosa e versos pelo nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade.

De origem europeia, chamava a atenção na cidade pela sua pele alva e cabelos loiros e pelos tropeços na língua portuguesa, que não dominava tão bem quanto o alemão, seu idioma pátrio.

Além desses aspectos meramente visuais e sonoros, o padre brejeiro era um grande incentivador de novas práticas na pecuária e na agricultura, trazendo para nossa inculta gente o que havia de mais avançado nos países europeus. Para usar um termo atual, diríamos tratar-se de um empreendedor, de um self-made-man, porquanto não se limitava às atividades inerentes à desobriga clerical.

Assim, fora precursor do cultivo em curvas de nível, para melhor aproveitar as águas das escassas chuvas, além de ter trazido para a região, com grande dificuldade, matrizes e reprodutores suínos das raças “landrace” e “duroc”, para a melhoria do padrão genético da incipiente suinocultura brejeira, com seus porcos ditos “curraleiros”, sem raça definida ou pedigree.

Ele possuía algumas fazendas na região, inclusive fora limitante de uma propriedade rural que meu pai possuía na região próxima à estação ferroviária de Tocandira, em Porteirinha.

Sua fama de homem visionário e antenado nas novidades correu rapidamente em toda a região. E ele se comprazia com aquela notoriedade repentina.

Mas nem tudo foram flores para o Padre Silvestre, a quem conheci de perto, quando trabalhei no Banco do Brasil, em Francisco Sá, em 1974.

Certo dia, aparece um gaiato na cidade e fica sabendo que o Padre Silvestre estava às voltas com o ataque de formigas tocandira em sua fazenda. As formigas dessa espécie são enormes, de coloração escura e suas picadas são das mais dolorosas, causando ulcerações na pele.

O malandro arquitetou uma fórmula de enrolar o vigário. Foi à casa paroquial e apresentou-se como representante comercial de uma fábrica paulista, que havia desenvolvido interessante mecanismo para matar formigas, sem o uso de qualquer veneno. O Padre Silvestre ficou alvoroçado e queria saber mais detalhes da invenção dos cientistas paulistas.

Com boa lábia, o espertalhão negou-se a dar detalhes da novel ferramenta de extermínio de formiga, sob alegação de que se tratava de segredo industrial, guardado a sete chaves. Garantiu, todavia, que a morte do inseto seria fulminante e sem qualquer uso de produto químico. Para tanto, minuciosa instrução orientaria como fazer o correto uso da máquina.

Padre Silvestre, curiosíssimo, quis logo encomendar uma máquina daquelas, para ser o primeiro na região a utilizá-la. Foi aí que o estelionatário deu o golpe: exigiu pagamento antecipado, mas se comprometia a remeter ao padre, tão-logo chegasse em São Paulo, a sua máquina de combate natural a formigas e outros insetos que tais...

O pedido fora anotado em um bloco adquirido na loja de Dona Bezinha, e o dinheiro embolsado.

Um mês depois, após insistentes e infrutíferas idas e vindas do padre à agência dos Correios, finalmente chega a encomenda. Mundinho do Correio nem se conteve e, pessoalmente, levou ao padre Silvestre o grande e pesado embrulho que chegara, tendo-o como destinatário.

O padre abre sofregamente o embrulho e depara-se primeiro com alguns tijolos e, no meio deles, a tão esperada “máquina”, que consistia em duas pequenas e prosaicas tábuas bem lixadas, além de um bilhete escrito a mão, contendo as instruções de uso: “1 – Colocar a formiga em uma das tábuas; 2) aplicar, com a outra tábua, uma batida firme e forte sobre ela; 3) retirar a formiga morta da tábua; 4) repetir o procedimento até o extermínio completo do formigueiro.”

Depois desse episódio, o padre Silvestre, decepcionado, vendeu sua fazenda e limitou-se a rezar missa e a celebrar casamentos e batizados. E nunca mais recebeu vendedores em sua casa. Talvez por isso, celebrou o casamento mais rápido de que já testemunhei em toda a minha vida: o noivo era comerciante...

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Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 26/07/2009
Código do texto: T1720848
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