O MEDO
Mais utilizado ultimamente do que o amor e a paixão, o sentimento que vem dominando o coração do brasileiro moderno chama-se medo. Vivemos todos com medo. Em maior escala ou de forma light, o medo tem sido responsável pela nossa agenda de cada dia.
A violência se apresenta para nós de forma tão palpável que sugiro ao presidente Lula que crie o Ministério do Medo. Já que no Brasil existem os ministérios da Cultura, Educação, Saúde e Justiça, como se explica a ausência do Ministério do Medo?
Na bandeira do Brasil, sugiro que coloquem Ordem e Medo, ou Medo e Progresso. O medo é indispensável. Temos medo de sair das nossas casas porque os bandidos estão à espreita com suas armas matrixianas. A única organização que funciona regularmente no País é a do crime. Aliás, o crime organizado brasileiro nos alça à condição de potência mundial. Somos potência mundial do crime. Só não nos orgulhamos desse status porque sentimos medo.
Se a seleção é a pátria de chuteiras, Nelson Rodrigues que me perdoe, somos a pátria de medrosos. Entupimos nosso coração com o eterno sentimento que nos paralisa a vida e os gestos. O trânsito paulista e o carioca disputam entre si quem mata mais. São Paulo reclama a quantidade bruta. O Rio exige a proporção. Temos medo de morrer atropelados. As estatísticas não mentem. Acreditamos como loucos nos números. A chance de morrermos no asfalto é maior do que de um palestino ser colhido por uma bomba israelense, ou vice-versa.
Felizmente ainda não temos os homens-bomba. Acho que o medo impede-nos dessa invenção da tecnologia moderna. Elegemos o Lula, mas só na quarta eleição. Nas três primeiras, ficamos vigiando se ele realmente comia criancinhas. Não comia. Mas precaução nunca é demais. Mesmo assim, a barba de Lula assusta. O nosso medo só nos permitiu eleger o Lula depois que a sua barba ficou branca. Há em nós uma ternura de filho para com os homens de barba branca. E morremos de medo dos homens de barba negra.
Trancados em nossas casas, ligamos a televisão e descontamos todo o nosso medo em uma pseudo-euforia. Antes, porém, conferimos se o cachorro está solto e as portas estão trancadas. Na TV, assistimos extasiados ao espetáculo da violência urbana. O Rio é uma Hollywood brasileira. Nossos bandidos são mais originais. Mudamos de canal e São Paulo nos oferta sua vaidade. Pequenos roubos no café da manhã, crimes de trânsito na almoço e seqüestros e chacinas na janta. Na hora de dormir, um pequeno resumo acompanha o nosso chá. Sentimos-nos heróis dentro de nossas casas, mesmo que as duplicatas estejam roendo o nosso pijama.
O medo da recessão caminha no meio do nosso travesseiro. A crise do petróleo, o charme da bolsa, a aflição do ebola africano, a pneumonia asiática, tudo se mistura na nossa cabeça como uma grande música. Não gememos porque o nosso medo pode acordar novas dores. Nunca fazemos check-up médico, porque trememos de medo do resultado do exame.
- É batata! É fazer e dar alguma doença.
Nos escondemos sob a capa nova do nosso medo e nos sentimos abraçados por uma mão misteriosa. Não muito misteriosa, porque o nosso medo não nos permite estranha intimidade.
Além das pessoas que matam, temos também medo das pessoas que morrem. O nosso medo é o único sentimento que não respeita o plano existencial. A lei do nosso medo excede a métrica das possibilidades. Milita na existência terrestre e dá algumas voltinhas pelo desconhecido. E nossas veias cansadas carregam o nosso medroso e necessário sangue.
Nossas vidas estão intimamente ligadas pelo sentimento que, um dia, ainda nos tornará todos iguais. Irmãos por parte do medo.