TUTTI BUONA GENTE

Morro de inveja dos artistas participantes de programas tipo “esta é sua vida” ou “homenagem ao artista”, nos quais amigos e conhecidos dão depoimentos sobre a pessoa em destaque. Todos os homenageados, sem exceção, são modelos de virtude. Todos são bons pais, generosos, humildes, ótimos amigos e colegas. Tutti buona gente. Nem um estrelismo, nem uma invejazinha, nem uma ponta de egoísmo, nem uma puladinha de cerca, nada. Gente perfeita, essa da classe artística.

Imagino um programa desse tipo a fim de homenagear os ocupantes de cargo público conhecidos por embolsarem nosso dinheiro, por meio de corrupção, de superfaturamento ou de outras tramóias.

Abre-se uma janela no canto da tela da TV e surge um amigo de infância: Fulano é corrupto, mas é bom amigo. Sustenta três mulheres com as respectivas famílias, mas nunca fez alarde disso, é tão discreto que nem mesmo uma sabe das outras.

Depoimento de um colega: Na ultima negociata, que lhe rendeu algumas propriedades, o que fez? Ao invés de registrar todas elas em seu nome, como seria de direito, não titubeou em distribuí-las a dezenas de parentes e agregados.

Outro colega: Fulano tem um coração nobre, nunca se esquece dos amigos. Sempre me ofereceu parceria nos negócios mais rendosos. Lembro de uma época em que eu andava na pior. Somente com a aprovação de um projeto, de sua autoria, consegui saldar todas as contas e ainda comprar um apartamento para minha am... digo, secretária.

A irmã mais moça, visivelmente emocionada: Oi, Fulano. Lembra uma vez quando éramos crianças, você roubou minha boneca preferida e a vendeu para a filha da vizinha? Mas para não me ver triste, você acabou não entregando a boneca. Quando a menina veio reclamar o dinheiro de volta, você simplesmente negou que tivesse feito negócio com ela. Foi, como sempre, firme e inflexível em sua negação. Que Deus continue lhe abençoando, pelo irmão carinhoso que você sempre foi.

Uma eleitora: Fulano é um santo. Conseguiu emprego para toda nossa família. Até minha sobrinha de quatro anos é assessora em uma estatal. E nem precisamos comparecer ao serviço. Ele mesmo recebe nossa grana e nos vem entregar em casa. É pouco, mas dá para ir levando, com a graça de Deus.

É, leitor, amigos assim deveriam ser escalados para nos defender no dia do Juízo Final.

Hilton Gorresen
Enviado por Hilton Gorresen em 26/07/2009
Código do texto: T1720006
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