O Sertanejo é antes de tudo, um forte

A frase de Euclides da Cunha, repetida com o devido crédito, no livro de Melchiades da Rocha, sobre Bandoleiros das Catingas, tem um significado especial em qualquer estudo sociológico brasileiro. Costumo dizer que sou um nordestino por adoção, vindo esse entusiasmo dos tempos em que torcia por Lampião “O Rei do Cangaço”; fácil compreender, quando eu digo que o primeiro grande desgosto que tive na vida, foi a morte do cangaceiro na madrugada de 28 de julho de 1938, dia em que comemorávamos o aniversário de minha avó, pessoa muito querida. A grota de Angicos ficou famosa por ser o palco da carnificina em que se transformou a morte de Lampião e seu bando; restava-me Corisco, cujo nome, na compreensão de meus 7 anos, dava-me a idéia do invencível vingador, que iria dizimar os “macacos”, como eram conhecidas as forças volantes que perseguiam os cangaceiros. Lógico, que a atuação de Lampião e Corisco era vista de maneira romântica, como se fossem como Robin Hood, tirando dos ricos para os pobres, respeitando as mulheres de família e as donzelas; protegendo homens trabalhadores e de coragem, principalmente, se não baixassem a cabeça aos insultos dos próprios cangaceiros. Após a morte de Lampião e seu bando, a polícia alagoana lhes cortou as cabeças, levando-as como troféus. Chegou a haver uma exposição no Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro, onde foram expostas algumas cabeças menos coroadas, além dos paramentos dos cangaceiros, tendo eu comparecido para apreciá-los. Muitos livros foram escritos de maneira romanceada, explicando e, muitas vezes, enaltecendo a figura do cangaceiro, por isso, surpreendi-me ao ler um livro reportagem de Melchiades da Rocha publicado em dezembro de 1940. Encontrei-o no sebo Berinjela, onde constava o nome do proprietário e a data - L. W. L. - Janeiro de 1944. Trata-se de um trabalho de um repórter do jornal “A Noite”, alagoano que no prefácio disse “nunca mais ter tido casa desde que saiu de sua terra, com o fim de ganhar a vida na metrópole, onde casa não é para todo mundo”. Tendo recebido um telegrama - “Santana de Ipanema, 28 de julho de 1938 - onze bandidos, inclusive Lampião, foram mortos pela polícia alagoana na fazenda Angicos, em Sergipe. Abraços. (a) Durval Rocha”. No dia seguinte de madrugada, Melchiades acompanhado do fotógrafo Mauricio Moura, embarcou para Maceió, aonde chegou às 15 horas; teve a notícia de que a caravana policial vinha de Angicos, trazendo as cabeças e troféus de Lampião e seu bando, encaminhando-se para Santana do Ipanema. As cabeças estavam dentro de latas de querosene com água salgada, fedendo a cães mortos, como disse o cronista; dias depois, Corisco, o lugar tenente de Lampião, demonstrou sua dor invadindo a Fazenda de Patos e matando 6 pessoas, incluindo duas mulheres; segundo conta o repórter, Maria Bonita, mulher de Lampião, algumas vezes aplacava a ira do cangaceiro, pedindo-lhe que poupasse vidas; não era o caso de outras mulheres, que costumavam instar a que os cangaceiros cometessem as maiores crueldades. Todavia, após a morte de Lampião, eu depositava todas minhas esperanças em Corisco, mas ele também foi logo morto. O mais curioso no meio desses desatinos todos, é que um padre de Santana de Ipanema pediu às autoridades, que levassem as cabeças cortadas dos bandoleiros, para que ele cobrasse ingresso na igreja em benefício de obras piedosas...

Em 1974 participei do júri simulado de Lampião, numa reunião promovida em Petrópolis pelas cadeiras de psiquiatria do Rio de Janeiro; condenei o cangaceiro, apesar da admiração que tinha pela coragem do homem. É necessário explicar, que no final da década de 30, os cangaceiros eram vistos de maneira romântica; pessoas que tendo sofrido injustiças iam para o cangaço em busca de vingança e justiça social.

Abrantes Junior
Enviado por Abrantes Junior em 25/07/2009
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