ESCRITOR X COMPUTADOR

Entendam como é a vida: comecei tarde para levar as coisas a sério, e extrair de dentro de mim aquilo que há tanto tempo me atormentava a mente. Queria escrever livros, abraçar a literatura por inteiro, entrar no mundo das letras, mas por falta de oportunidade fui deixando o tempo passar, fui deixando... deixando... Até que tardiamente resolvi regaçar as mangas e pôr mãos à obra. Peguei a minha velha máquina de escrever abandonada e esquecida num canto do escritório, e meti os peitos. Ao vê-la, notei que ela nunca teve muito trabalho, por isso conservava limpa, tanto por fora como dentro, principalmente nos seus preciosos tipos; tudo funcionando bem. Dei nela uma pequena lubrificada, preparei os dedos para o trabalho e, pronto! “Mãos à obra, seu preguiçoso”, monologuei. Depois de algum tempo de trabalho, ela ficou irreconhecível, pois seus tipos encheram-se de tinta de carbono e resíduos de borracha; quase não dava para ler. Por fora ficou toda respingada do “branquinho”; os tipos dela então... Era o sinal de que ela estava trabalhando muito. Todos os dias eu limpava tipo por tipo, senão não dava nem para ler o texto que ficava quase ilegível. Contudo, ela escreveu o meu primeiro livro, mas naquele negócio de estar sempre apagando palavras com a borracha, com “branquinho”, ou arrancar a folha de papel e começar tudo de novo, estava me deixando louco... Na máquina não tem como consertar o que está errado, tem que pensar bastante antes de datilografar, porque consertar ou modificar o texto, não dá. Mas já pensou rascunhar num papel, riscar para encaixar outras palavras, novo parágrafo, ou reescrever o texto, e somente depois que ele estivesse absolutamente certo é que passaria para a máquina... Quanto tempo ia levar? A mente é rica de vocabulário e de idéias, então a todo o momento, novas palavras e novas idéias surgem na cabeça. É um tal de apaga aqui, apaga ali e às vezes para terminar uma página, levava quase um mês inteiro. O pior é que na revisão, certamente o texto seria modificado. “Este parágrafo não está muito bom, tal palavra caberia melhor aqui ou ali”. Aí, rasgava-se o texto e jogava-se no lixo. Com isso, lá se foram cinco longos anos.

É quando me lembro dos velhos escritores, no tempo em que ainda não existia o computador; quanto trabalho eles tiveram... Recordo-me ainda, do nosso Mestre Rui Barbosa, no seu discurso na colação de grau dos formandos da Faculdade de Direito da São Francisco, “Oração aos moços”. Ao ler e reler o seu discurso original escrito à mão, notei a grande quantidade de palavras e frases riscadas e modificadas... Então, até o famoso Rui, mestre das letras e nosso eterno mestre, também fazia correções em seus textos... Mas como eu sou insistente e teimoso de nascença, levei quatro anos para escrever o meu primeiro livro. Uff! Que trabalhão! Quando iniciei o meu segundo livro, não agüentei mais e entreguei os pontos; Fui forçado a aderir ao computador sem saber como pilotá-lo. Eu não me relacionava bem com esse cara, mas tanto insistiram comigo que acabei comprando a tal máquina. Não teve jeito, comprei mas sem entender “patavina” o seu funcionamento. O cara que me vendeu o “dito cujo” deu apenas algumas instruções e se mandou. Como guardar na mente instruções passadas em dois minutos?Eu fiquei ali abobado de boca aberta sem saber como começar. Então enfrentei esse “cara” que estava à minha frente olhando para a minha cara, como se estivesse debochando, ou zombando de mim. Olhei firme para ele com uma cara de quem não estava gostando; mas com as mãos trêmulas, comecei a digitar com os dez dedos, conforme era meu costume na velha máquina. Mas que fora danado! Não consegui escrever nadinha! Daí fui obrigado a catar milho com dois ou três dedos. Que diferença da minha velha máquina, com ela eu não digitava, datilografava com dez dedos e com rapidez. Sem falsa modéstia, sempre fui um exímio datilógrafo, diplomado. Mas no computador quanta coisinha intrometida, estava ali no meio do teclado, onde eu achava que não deveria estar..

Mas eu não entendia bem esse “cara”, ou era ele quem não me entendia? só sei que não estávamos combinando bem. Tive vontade de quebrar aquela “porcaria” e voltar para a minha velha máquina. Mas como nunca deixei de terminar nada na vida, continuei a insistir com o “cara”, fui obrigado a catar milho mesmo... “Mais que merda, isso não funciona”, toda a hora tinha que parar e levar na assistência técnica para ver o que estava acontecendo... Afinal, o cara ainda estava na garantia... É claro que eu pensava que era defeito da máquina, não meu, mas não era nada disso, eu é quem não me dava bem com o “sujeito”. Mas com essas idas e vindas na Assistência, até que foi bom porque cada vez que eu ia lá, aprendia um pouco mais, e assim fui aprendendo a entrar num mundo novo e virtual. Falavam comigo: “por que você não entra para uma escola de informática”? Eu??? Que idiotice! Entrar para uma escola só para aprender essa coisa simplória? “Never”! Isso é para quem quer aprender a profissão de técnico.

A velha máquina permanecia numa mesinha de rodinhas própria, num canto do escritório, e de vez em quando eu dava uma olhada nela; custava resistir a tentação de voltar para o meu antigo amor. Mas aos poucos fui fazendo as pazes com o “cara” e desenvolvendo os meus conhecimentos; até que não levou muito tempo... Depois de uns trinta ou quarenta dias passei a olhar o “cara” com bons olhos. Que beleza! Ele envia e recebe mensagens. Passei a bater papo em tempo real com amigos, e dessa forma, acabei por descobrir que ele não era tão ruim assim, precisava apenas que tivesse um pouco de paciência... Tornei-me seu amigo.

Uma vez ao levá-lo na Assistência, aconteceu um desastre. Quando lá voltei para pegar a máquina, o técnico me informou que foi forçado a formatar a máquina porque ela estava com vírus. Ai, ai, ai, ai, ai... e os meus arquivos foram copiados? Perguntei.

_Lá se foram eles, todos apagados, respondeu o técnico.

“Como assim? E os meus textos escritos, como reavê-los”? falei com cara de bravo.

“Não tem mais jeito, o senhor não tem cópias deles, perguntou o técnico”.

“Não, respondi; porque eu haveria de ter cópias”? “Ah! No computador tem que tirar cópias dos arquivos com disquete”... falou o técnico.

Já não agüentando a raiva, respondi: “Mas antes de formatar apagando os arquivos, o senhor é quem deveria tirar as cópias, pois se tratava de textos de livro e não qualquer bosta”!

A verdade é que eu nem sabia o que era disquete e nem como lidar com isso...

Saí de lá bufando de raiva, e além de tudo ele me disse que tinha que pagar o serviço. Eu respondi que ele acabou com os meus textos, vou ter que reescrever tudo de novo e ainda por cima queria cobrar o que ele desfez? Se você insistir, eu é quem vou cobrar uma indenização na Justiça.

Sai carregando o computador, morrendo de raiva, sem dar mais satisfação e sem olhar para trás.

Por sorte, ao procurar nos cantos da sala, eu encontrei algumas páginas guardadas em um canto da gaveta da escrivaninha que eu havia guardado, escritas na velha máquina. E com isso, pude reaver alguma coisa dos arquivos. Mas mesmo assim, tive que reescrevê-los quase tudo, pois aqueles textos estavam superados. Só aproveitei a idéia.

Assim aos trancos e barrancos me ambientei com o computador e acabei ficando amigo dele. Isso porque a cada vez que o levava na Assistência Técnica, eu acabava descobrindo e aprendendo coisas interessantes; no final, cheguei na conclusão que no computador eu tinha maiores condições de escrever meus livros e com maior rapidez.

Esse foi o meu início na computação, passei muita raiva, mas no final acabei por fazer as pazes com ele e, hoje ele faz parte da minha vida.

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 25/07/2009
Reeditado em 25/07/2009
Código do texto: T1718307