Políticos: Impuseram-nos uma Programaçao Neural.

Ontem ouvi uma declaração do Excelentíssimo Sr. Presidente da República, Luis Inácio da Silva, comentando a respeito de um outro Presidente, o do Senado, Sr. José Sarney. As palavras proferidas, não as lembro exatamente, nem vêm ao caso. Lula procurava defender o presidente do Senado quanto às suas últimas mazelas, de modo claro, escancarado, sem meias palavras. Utilizava várias frases de efeito, para dizer a mesma coisa, feito aquelas antigas vitrolas emperradas. Resumia-se em: "Primeiro tem que apurar. E não se pode julgar o que o presidente Sarney fez como se fosse um crime de morte", e outras pérolas do gênero. Ele, em sua imensa sabedoria e explendor político, queria minimizar para a opinião pública o fato de que Sarney (presidente requintadíssimo em incompetência, político consagradamente viciado, coronel que manda e desmanda no segundo estado mais pobre do país), além de ter orquestrado dezenas (centenas?) de atos secretos na instituição do Senado com finalidade clara de angariar benefícios à sua pessoa e aos seus, empregou o namorado da neta nas fileiras do Senado, como se este fosse o seu quintal (e não é?).

Como reza a regra destes que tratam a política como algo de finalidade particular e não pública, "política faz-se com a cabeça, não com o estômago" (com licença um instante que vou sair para vomitar - citando aqui Juca Kfoury na folha de S. Paulo, ontem). É exatamente este, o preceito que o nosso presidente utiliza para manter seus apoios políticos. E, para isto, bem se aproveita de sua popularidade para falar e agir do modo que acha melhor aos "seus" interesses.

Bem, não estou aqui para utilizar este humilde espaço como tribuna ou para reclamar por uma postura a favor do decoro por parte da classe política. Sei plenamente da minha "não importância", tanto quanto conheço a real índole destes "servidores do povo". Para mim, pedir por justiça equivale a pedir por um pouco de inocência. Não essa inocência tão comum às crianças quando a demonstram por não saberem de algo que a experiência ainda não as permitiu entender pela tenra idade. Falo da inocência de se adotar no íntimo a verdade dos fatos e o altruísmo como premissas de vida. Quer algo mais inocente do que buscar-se com fervor a "verdade" e o "bem comum" neste mundo "assertivo" em que vivemos? A frase anterior transpira inocência e, não há como evitar que se pense assim, não é? Causa-nos até um certo ar de que "falta um melhor entendimento de como as coisas funcionam por aqui", ou seja, alienação. É exatamente esta impressão que uma manifestação de desejo de inocência traz para quem ouve o outro falar. Você pensa: -Bobo, tonto... - O fato é que sei muito bem que ninguém chega a presidente de um país tendo no rol de suas maiores virtudes, "a inocência", nestes termos.

O que pretendo mesmo é deixar grafado aqui uma constatação percebida de uns anos para cá. Para explicá-la, cito outro fenômeno bastante divulgado nos meios de comunicação: o da "banalização da violência". É fato conhecido de que muitos comentam indignados que a criminalidade está banalizada e ninguém mais tem capacidade e sensibilidade emocional (incluo, por minha conta, a falta de estrutura psicológica minada ao transcorrer do tempo) para chocar-se e não conformar-se com um sequestro, um assassinato, um bebê baleado na favela, ou mesmo a fome e a miséria (estas duas últimas, formas indiretas de violência ao ser humano não menos cruéis). Vemos fotos de pessoas rindo, comendo, bebendo e conversando na rua, enquanto corpos crivados de balas (cobertos por folhas de jornais, ou não) espalham-se como latas amassadas de cerveja ao chão das calçadas das grandes capitais.

Por isso afirmo que os políticos, enfim, conseguiram. Se tivessem planejado uma ação estratégica cujo objetivo final fosse o de obter o poder para fazerem as ilegalidades que bem entendessem no país, sem a menor possibilidade de um levante da população, não obteriam tal intento com tamanha precisão como a que constato. "Banalizaram" com perfeição artística a desonestidade e a falta de ética na política brasileira perante os atônitos olhos do povo. Foram tantas e tantas falcatruas, desonestidades, rompimentos de decoro parlamentar, dólares em cuecas, roubos e furtos ao erário público, que as pessoas perderam totalmente a capacidade de se indignar. Tudo virou reflexo condicionado. Tornou-se maçante; extremamente cansativo para todos; instalou-se a exaustão. Porque, no fundo, todos sabem tacitamente que nunca acontece nada de grave aos infratores. É nítido. É certo como nasce o sol. Há reclamações sim, mas em tom de puro conformismo. Estão no mesmo patamar de quando você reclama no elevador, só para não ficar mudo: - Hoje está frio! - Sabe intimamente que não vai poder mudar o tempo, pois ele é algo incontrolável, e, sabe, que quem ouve aquilo vai concordar. O saldo, após tantos choques e dissabores na política, só pode ser a pasmaceira, a insensibilidade ao tema. Pior: um indivíduo em estado de choque pode não reagir ao fogo ateado à própria pele.

A situação é paradoxal. Quando, em qual época, por mais que saibamos da baixa qualidade humanitária dos políticos em geral, imaginaríamos que eles iriam aos meios de comunicação para falar, sem papas na língua, fazendo caretas, que estão pouco se lixando para a opinião pública, porque ela não muda nada? Isto é ou não uma mensagem que lembra alguma estratégia de propaganda nazista? Não, não há exagero algum. - Eles já perceberam, mesmo que em nível subconsciente, que estas declarações, embora causem impacto negativo, afastam os cidadãos honestos, comuns, daquele desejo de aprofundamento sobre as questões político-sociais brasileiras, o que, para eles, é divinamente perfeito. Afinal, o que seria melhor do que ter os bons, os capazes de reagir e questionar, mantendo-se ignorantes, e por suas próprias vontades? O mar de lama criado ilhou a classe política num conveniente castelo de poder.

Este lastimável processo evolui, como avança andar a andar, a construção de um prédio. E, não se enganem, está bem alicerçado: uma programação neural entrou em funcionamento na mente de todos, como que a afirmar: "É... As coisas são assim mesmo na política do país e, ponto. Siga a sua vida e esqueça esta parte. Não vale à pena envolver-se nesta nojeira para saber o que faz esta corja".

Quero deixar muito claro que não sou político, nunca fui e não vou queimar a língua ao afirmar isto: jamais serei. Deixarei pelo menos uma pequena parcela de inocência intacta dentro de mim. Caso contrário, não terei sobre o que escrever... É isso.

OBS: Longe de querer ofender os mais politizados, mas chega a ser divertido observar pela TV que Sarney passeia pelos corredores do plenário como um arcado e bondoso velhinho e, ainda, tem a capacidade de sorrir serenamente para os colegas.