HENRIQUE FERREIRA "O SETE”, a alcunha de estimação

No nosso meio rural, as alcunhas fazem parte do vocabulário diário, pois identificam melhor a pessoa que queremos localizar, e torna-se sempre uma referência na comunidade em que está inserido. Ora como algumas vezes tenho sido apontado como pessoa menos correcta quanto a alguns apodos que tenho utilizado, desta vez achei por bem trazer a esta crónica um camponês, que é meu pai, e que, com alguma graça, lança ditos de improviso, que por vezes fazem rir os mais sisudos.

Ainda muito recentemente no Tribunal Administrativo de Castelo Branco, onde depunha como testemunha fez rir a sala. O Meritíssimo Juiz pediu-lhe para exemplificar, dentro da sala de audiências, como o acidente que ali estava a ser julgado tinha acontecido, o movimento dos veículos, a posição dele e a colisão.

Então o nosso homem valeu-se dos seus oitenta e um anos e disse: -

Senhor Doutor Juiz, com esta idade não queira brincar comigo, como Vossa Excelência quer que meta aqui dentro desta sala tão pequena uma estrada daquele tamanho?

- E se for ali no corredor? Acabaram por ir para lá.

- Bem, aqui já tem mais campo, já se pode explicar melhor. Assim, ali acabou o seu depoimento.

Com excepção de uma curta passagem por França, viveu sempre ligado à agricultura. A esmagadora maioria dos seus amigos já partiram, isto devido ao despovoamento do mundo rural, bem como à idade, uma vez que gostava de privar com homens mais velhos, ao que penso para colher outras experiências.

Hoje gosta de olhar pelo seu rebanho, umas sessenta cabeças penso eu, e de dar uma volta com seu tractor, pois, para além da lavoura, também lhe serve para passeio.

A sua permanência em cafés ou tabernas é sempre muito curta, pois não está a par das conversas que aí se travam, como novelas, futebol mundial e outras coisas. Para não fazer ofício de corpo presente e demonstrar a sua ignorância naqueles temas, acaba por seguir viagem.

Talvez por esta sua faceta, e também por ter estado ligado a maquinaria agrícola de aluguer noutros tempos, na periferia de Celorico toda a gente o conhece pelo “Sete”.

Mas porque lhe chamam o “Sete”? Nem tão pouco ele se zanga… Para isso temos que recuar ao já distante dia 24 de Junho de 1947. No dia anterior ele andara juntamente com um rancho de ceifeiros a trabalhar para o seu pai, um agricultor com certa envergadura na zona. Nesse mesmo dia, decidiram não trabalhar no dia seguinte, por ser dia de São João na cidade da Guarda, onde todos se deslocariam a pé, rapazes e raparigas. Assim aconteceu, e de manhã bem cedo, tudo rumou à cidade mais alta. O meu pai, que ainda o não era, tinha dezoito anos, e era a primeira vez que ali se deslocava. A minha avó ao saber isso e como sabia que ia com gente pobre, entregou-lhe cem escudos, não para os desperdiçar, mas para poder superar algum imprevisto. Era muito dinheiro para o tempo, se tivermos a noção de que o trabalhador rural não auferia na sua jorna diária mais de dez escudos, pelo que podemos aqui avaliar a noção do valor daquela nota.

Pelo caminho, e ali por alturas da Ramalhosa, os rapazes combinaram entre si ir às meninas, pois naquele tempo ainda estavam legalizadas. Mas em perfeito segredo, pois entre os caminhantes também havia pares de namorados, e também havia um certo receio pelas doenças venéreas, que naquele tempo eram bastante temíveis.

Chegados à cidade, o grupo dividiu-se, elas para um lado eles para outro, limitando-se a acertar a hora e o local de ajuntamento para o regresso.

Eles, dirigidos pelos mais velhos que já conheciam aqueles meandros da prostituição, para lá se dirigiram.

Como era dia de feira de ano, e com maior afluência, o preço subiu para dez escudos, a “subida” como agora se diz. Evidentemente que os restantes ficaram-se por uma única vez, pois o dinheiro não dava para mais extravagâncias. Só que o mais novato, o Henrique, provou e gostou. A importância que tinha no bolso dava-lhe para satisfazer os seus desejos. Dentro do prostíbulo estavam sete mulheres, e, com alguns intervalos, acabou por dar a volta à sala,” subindo” com todas. Para as restantes despesas, ainda lhe sobraram trinta escudos, que eram suficientes para as outras necessidades.

No regresso, os restantes lá iam dizendo “Oh Henriques” com que então sete! Claro que eles também teriam vigor para algo mais, só que o dinheiro é que não ajudava. As raparigas nada ficaram a saber, e apenas ouviam falar em “sete”, sem se aperceberem do significado.

Daí para cá ficou com essa alcunha, que, muito embora o não diga ainda sente nela certa vaidade. No entanto eu por vezes também entro em cena. Nesta região, as alcunhas vão passando de pais para filhos, e com alguma frequência me tentam rotular com o apodo de “sete”. Tento dizer que esse título não é meu, foi ganho em campanha por outra pessoa. Eu num só dia nunca passei por cima de sete barrigas, e também acrescento que nesta altura do meu campeonato, também o não vou conseguir. Portanto, o seu a seu dono.

Destaque: Daí para cá ficou com essa alcunha, que, muito embora o não diga ainda sente nela certa vaidade. No entanto eu por vezes também entro em cena. Nesta região, as alcunhas vão passando de pais para filhos, e com alguma frequência me tentam rotular com o apodo de “sete”. Tento dizer que esse título não é meu, foi ganho em campanha por outra pessoa. Eu num só dia nunca passei por cima de sete barrigas, e também acrescento que nesta altura do meu campeonato, também o não vou conseguir. Portanto, o seu a seu dono.

Por: José Albano Ferreira