REENCONTRO
 
 
         Estava curiosa tentando entender como é o medo das pessoas e o que elas sentem, se eu não sinto nenhum medo.
         O questionamento estava ocorrendo por que, tempos antes eu escrevera um texto testemunhando minha grande perturbação pelo motivo que eu iria assistir um show do meu ídolo maior que é o Chico Buarque. E estava me alterando tanto, acontecendo em mim, coisas indeterminadas e que eu mesma não conseguia impedir de me acontecer, de tal sorte que o prazer de ir assisti-lo estava se tornando num entusiasmo mais para o não entendimento do fenômeno, do que pelo prazer intrínseco da novidade. Na verdade ocorria em eu mesma , uma maneira estranha de sentir e alterar o comando do meu modo de sentir e de me reconhecer. Como se fosse independente do meu domínio e da minha capacidade de me compreender. Talvez isso ocorra com outras pessoas e que, também não se dão conta da sua auto-incompreensão e, por tal, perturbam-se duvidando até de sua individualidade normalmente tão conhecida. Um sentir bom e, ao mesmo tempo, temível por não ser compreendido.
         Coisa assim acontecendo, independente de eu mesma impedir que isso aconteça, coisa que está sendo, imposto por ninguém.
         Às vezes reflito em coisas que não sei. Mas não demais, para não encucar. Penso que dúvidas tais estejam relacionadas com o que foi imposto, ensinado como certo ou errado, até que eu própria dou o sentido exato do que possa ser ao meu sentido das possibilidades e das impossibilidades. Por isso gosto tanto de ver os passarinhos encher a vegetação da varanda e, com alegria brincarem, trinarem e curtirem golinhos na água doce: é uma alegria genuína.Compartilho e só sinto bem. Coisa completa e suficiente.Uma coisa que é. Pronto. Aí eu também sou só eu e a paz: parar de pensar, é o que é.  
         Enfim, eu estava tão feliz por ir ver o Chico, que cresceu uma felicidade antes do acontecimento. Assim como é o azul de mar sem gravidade onde nado com maestria sem saber nadar, e muito menos questionar respirar ou não, é só a magia de evoluir no que é o azul dos olhos do Chico que, por ser ele Chico, uma possibilidade real dele ser só poesia e música, ouvida, sentida, que me permite mergulhar em tanto azul o meu encantamento, até  então, o represado entusiasmo de mim mesma por tudo e pela vida, que de algum modo posso definir como sentir felicidade.
         Porquê tão condenado eu sentir felicidade? Isso não foi percebido até então, por sempre conseguir me impedir de chegar lá, até ela, felicidade. Algo inculcado no meu mais fundo inconsciente com o poder tal de não ser sabido nunca. E que fez isso em mim?
         E se afinal o que: o medo. E o essencial, e todo o entusiasmo e fé na vida de como sou feita. O medo de sentir felicidade. O medo de saber o meu valor, e o temor de supor ser o meu desvalor.
         Coisa, que no meu caso, é não chegar a sentir a felicidade por temer de dela gostar...
         E contrariar todo o aprendizado de represar o meu potencial verdadeiro do que sou.
          Pasmo diante de eu mesma, então, o importante não é o Chico!
         O importante não é o Chico e nem a maior maravilha do mundo.
         O importante é o eu mesma.
         O importante é o meu entusiasmo de ser eu quem é e sou.
         E como sou coisa tão grave, dilui-se como ar no ar, ou como sou igual no ar, que só mesmo a força que o Chico representa de beleza, pureza azul e poesias azuis generosas e geniais...
         ...e que diluem o impedimento de ser ou de saber coisa de mim que eu não sei e nem por que não podia ou não queria saber. Não queria, ou não podia vir a saber?
         Não posso me perder nesta descoberta de mim mesma.
         Então, eu é que importa.
         E atravessei este medo, achando que eu não tinha medo de nada.
Isto é importante e tal preciso segurar.
 
         Não posso perder esta percepção.