DIA DE FESTA
“In vino veritas” já dizia a boa sabedoria romana há alguns dois mil anos. E muita verdade há naquele que se despe de sua máscara habitual e começa a atuar conforme sua vontade íntima. É o momento da retirada de todas as cascas; a da educação, a da falsidade, a dos desejos escondidos, a das animosidades e principalmente a espiritual.
O momento da festa e da bebedeira apesar de sua necessária forma decadente tem lá as suas coisas boas. E quais são estas coisas? Para um observador social como eu é o tempo de ver como atuam os personagens da vida cotidiana, ou melhor, não são personagens, mas a própria essência do ser é que atua quando está numa festa e muito mais se estiver embriagado.
Fui obrigado a participar de uma festa. Digo que fui obrigado porque foi feita em meu ambiente de trabalho e eu não poderia ir embora. Tinha que ficar. Quando percebi que não teria como fugir do triste evento, pensei comigo que pelo menos aquele teatro me valeria algum bom escrito. E assim sucedeu.
Numa festa os atores geralmente deixam seus personagens e atuam eles mesmos. Percebi isso quando o almoço foi servido. Repentinamente, aglomerou-se uma multidão de mulheres, na sua maioria docentes, em frente a mesa, todas queriam logo fartar-se. Escolhiam os melhores pedaços, pegavam porções generosas e não se importavam se aquilo pudesse acabar e quem ainda não tivesse comido ficasse sem nada.
Os operadores da churrasqueira logo foram cercados por um bando de mulheres famintas reclamando pela demora para servir a carne. A aglomeração em frente à churrasqueira era enorme e quem conseguia um espeto saia comemorando como um homem primitivo quando conseguia caça para uma semana.
Depois de encher bem os enormes ventres, inclusive com a sobremesa que faltou para a maioria, juntaram-se em pequenos grupos e o assunto na maioria deles era a vida alheia. Muitos cigarros e cervejas nas mãos das pessoas, muitos risos e piadas, muitos falavam abertamente o que pensavam de outros que obviamente não estavam ali naquele grupinho.
Os homens olhavam as mulheres e estas olhavam os varões. Seguiam-se conversas, risos e pequenos sumiços, nem imagino o que acontecia nesse pequeno intervalo fora da festa. Nesse momento as juras eternas de amor do matrimônio valiam pouco ou nada. Com a cabeça cheia de álcool e os hormônios correndo como uma pantera dentro do corpo fica difícil alguém lembrar de juramentos tolos que fizeram num tempo remoto.
Um dos festeiros, o mais animado deles, dançava freneticamente, sempre com latas de cerveja na mão ou copos de caipirinha. Experimentava a dança com várias mulheres, fumava cigarros sem parar e agitava todo mundo. O mesmo que no dia a dia cumprimentava seus “irmãos” com “Paz do Senhor” agora sambava como um louco e entregava-se aos vícios sem nenhum pudor.
Mas o que eu vou esperar de uma festa? Não é ela o momento dos exageros? Não é como no carnaval em que se veste uma fantasia e tudo pode? O sério fica descontraído, o triste alegra-se, o sóbrio embriaga-se, o discreto torna-se espalhafatoso e o santo vira demônio? Festa é o momento em que realmente a pessoa é o que é, ou seja, um grande estômago e os desejos do baixo-ventre.
Se há alguma semelhança com a decadência humana é mera coincidência.