MINHA AVÓ OU CLARICE LISPECTOR
Alguns possuem a dádiva, quem me dera tê-la, de contar histórias.
Os fatos mais banais ou fantásticos tem conotação diferente sob o ângulo de seu interlocutor, da maneira descrita.
Qual a diferença entre uma Clarice Lispector e minha avó? Acredito que a segunda tem mais talento nesta arte.
Enquanto Clarice me fascina e perturba com as indagações da existência, minha avó, nas noites de frio, à beira do fogo, nos contava sobre o realismo-mágico de meu povo, dos antigos de meu bairro, da minha cidade, contava a conjugação diferente do existir.
As duas personagens fazem parte de meus devaneios. É com absoluta paixão que relembro as histórias ao fogo e as leituras psicotrópicas de livros como “Laços de Família”. A “Menor mulher do Mundo” me atormenta.
É triste a condição de quem quer escrever e tem sobre si uma avó e uma Clarice.
Sou impossibilitado de contar histórias com desenvoltura e maestria e tampouco plagiar uma escrita soberba.
Resta pouco a um menino.
Me cabe envelhecer e rememorar; escrever para aprender e apreender.
A gigante Clarice e a menor mulher do mundo — minha avó — me completam.
Se esta é uma crônica ou homenagem, me importa pouco. Os dois pesos igualam a ambição.