A MÚSICA E SEUS COMPASSOS

– para Marco Araújo, poeta, músico e compositor.

Viver é um risco, um desafio. E não há como querer mensurar o tempo de viver. Cada um tem o seu tempo. Nunca se sabe por quanto tempo vai bater o músculo.

Quando a saúde baqueia, todos os afetos em volta do vivente ficam de mãos postas, impotentes. Descobre-se, por vezes, um deus que se negava existência. Assim é.

Um mistério esta sensação de que o fio de linha entre o nascer e o morrer vai se romper.

Quando se recebe a notícia, o coração da gente bobeia, a cuca fica escangalhada, se tem vontade de fazer algo que se sabe longe de nosso alcance.

À hora das refeições, a fome se vai. A vontade é dormir pra não recordar do suplício das iminentes perdas.

Uma luzinha tremeluzente no fim do túnel nos sinaliza com a possibilidade de que o novelo de viver continuará dando linha. E mergulhamos na dimensão humana com o único escudo: a fé, sem desesperançar.

O sol vai nascer amanhã? Comemoremos. Sempre há algo a bebemorar, quando o brinde é à vida.

Somemo-nos aos desejos de bem-aventurança, enquanto os magos da medicina fazem o seu trabalho. O bisturi no aneurisma, no miocárdio, ou em qualquer órgão vital pode ser levado pela mão divina.

Sei que nada ocorre fora de hora. E logo me apercebo que o silêncio do homem pode ser crucial para o desfecho. Somos pequenos demais pra conversarmos com deus ou com a tinhosa que nos levará um dia. Mas a vida e a morte são faces da mesma moeda.

Viver nem sempre é solução para os livres. E matamo-nos de várias maneiras, sem piedade. O uso de drogas fortes é uma delas. Para os escravos é condenação. E sempre vai haver escravocratas de plantão. Só a Liberdade justifica a vida.

Por ora, enquanto o amigo está na sala de operações, baqueando, é orar ou não. A liberdade é dual. Fico entre o confrangimento e a perda da fé. O recurso é o choro. E não baquear no essencial.

Amanhã, o sol vai luzir forte implantado no coração. E comporei um poema de aleluia. Sem brilho estético, apenas haurindo o respirar da esperança. Enfim, música!

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1713476