Necessidades Básicas
Foi-se o tempo em que “amor e uma cabana” traduziam a plena felicidade – hoje em dia isso mal dá letra de música sertaneja – já não convence, "não cola".
Plena Felicidade... Um conceito tão pessoal, tão relativo que talvez algum leitor mais romântico pense "hei, eu não preciso de mais do que isso para ser feliz!"
– Ah não? Pois quando eu digo "uma cabana" lê-se: uma cabana e não um bangalô à beira-mar com TV à cabo, serviço de quarto e acesso a internet via wireless.
Pensemos num jovem típico (estereotipado) listando aquilo que considera suas necessidades básicas – lista ampla seria essa - certamente incluiria a internet em posição de destaque, antes mesmo do computador, luz, água ou qualquer outra fonte de energia alternativa.
Imagine a confusão que seria um Djinni – aqueles gênios no estilo Aladim – vagando em meio a sociedade atual, concedendo a realização dos famosos 1-2-3 desejos. Sendo eles criaturas traiçoeiras, conforme descreve a mitologia, muito se divertiriam enrolando-nos em nossas próprias cordas de confusão – desejos supérfluos e superficiais, desconexos daquilo que os faz funcionar – como, por exemplo, desejar internet sem um aparelho que sirva de interface (computador, celular ou etc. São tantas as possibilidades que escapam ao espaço desta crônica), desejar um carro sem combustível ou, lembrando uma velha piada, desejar pilhas intermináveis de cigarros, mas nenhuma forma de acendê-los.
Desejamos as coisas prontas ao invés de matéria prima e ferramentas para criá-las. É um pensamento prático, cômodo – a lei do menor esforço – que tanto e há tanto impera no Brasil e tão mal nos reflete perante os olhos estrangeiros. Como pedir (ao gênio, pai ou santo em oração) dinheiro e não trabalho, esquecendo-se ou simplesmente desconsiderando que o dinheiro acaba "num piscar de olhos" – só não evapora porque não é líquido - e trabalhar cansa... Assim como atentar aos detalhes, ler as letras miúdas, as entrelinhas - Pensar demais cansa - Quem nunca ouviu ou mesmo afirmou em alguma situação:
“Não me interessa saber mais do que eu necessito”
ou ainda “A ignorância é uma benção”
É como se parte de nós – sociedade – acreditasse em magia: aquilo que não vemos, ou não acontece, ou surge misteriosamente.
É a "teoria dos gnomos". Exemplo:
Situação/Problema: Preciso de uma roupa nova, linda e de preferência barata.
Ação: Bater pernas, experimentar, comprar, passear feliz, pôr para lavar, usar novamente até sair a cor, a moda, a etiqueta.
Questões ignoradas: De onde veio o tecido? Quem a costurou? E posteriormente: o que acontece com ela desde o momento em que eu a ponho imunda no cesto até seu ressurgimento, limpa e cheirosa, no guarda-roupa (uma fênix)?
Resposta comumente adotada (embora pouco plausível): Gnomos!
Sim, os mesmos que deixam ímpares as suas meias quando você não os alimenta – temperamentais!
Eu por exemplo, penso muito em café e chocolate, não em seus grãos e nos diversos processos que estes sofrem desde o plantio até a satisfação da minha gula. Se fossemos pensar em cada etapa do processo, além de ficarmos um tanto paranóicos e perturbados, sentiríamos uma pontada de responsabilidade pelos acontecimentos decorrentes na produção daquilo que adquirimos – como a exploração de pessoas e/ou animais durante a fabricação ou teste dos produtos.
Há muito o conceito de necessidades básicas foi esquecido. São raros aqueles que ainda pensam em "casa, comida e roupa lavada", ao invés de cultura, lazer e conforto - a diferença está entre subsistência e qualidade de vida. O mínimo necessário é tão pequeno em meio a toda tecnologia que nos cerca que só costuma ser lembrado por aqueles que não o tem ou porventura o perdem.
Portanto cuidado, muito cuidado com os seus desejos e principalmente cuidado em mantê-los, uma vez realizados. De vez em quando é bom lembrar que "o todo é a soma das partes" também no que se refere as necessidades básicas. E o que é mais divertido: montar o quebra-cabeça ou ver sua foto na caixa? Lembre-se:
O mundo está cheio de Djinn maliciosos e gnomos brincalhões querendo roubar suas peças!
*Publicada no Caderno Mulher/Jornal Agora em Maio/2009
*Premiada com "Menção Honrosa" no Concurso de Contos e Crônicas promovido pela Editora Temátika (Julho/2009)