IV: O Espaço entre as Linhas
O AUTO DA PIEDADE
Sete Atos de Consciência
Ato IV: O Espaço entre as Linhas
Ainda existo.
Mesmo quando você, leitor, estava fora da leitura desse texto; eu fiquei aqui e ainda existo. Existo como um conceito, como uma vontade que você possui em continuar lendo o que escrevo.
Como pode ser?
É, apenas é.
E por isso que eu existo!
Eu sou o que sou, existindo dentro do mistério que é estar vivo dentro do meu mundo e ao mesmo tempo interagindo contigo, no seu. Sendo o principal personagem do meu conto de vida e ao mesmo tempo, sendo coadjuvante na sua prosa.
Sou ego, sou ísta, sou qualquer coisa que possa ser definida, que possa se compreender como coisa existida.
A Divina Inteligência criou essa mágica difícil de ser explicada, chamada vida, que não é possível ser compreendida, pois só pode ser vivida. Eu surfo em cima dessa força da vida, força essa que se move também na barata, no rato, no macaco, no Maluf e no pássaro, e se move também dentro de você, em suas mais infinitas possibilidades.
Você leu tudo o que escrevi, mas se eu pedir para você me dizer o que se recorda das últimas linhas, sem lê-las de novo; provavelmente vai só lembrar que falei “Maluf”, e eu te pergunto por quê você só lembra disso?
Você é malufista ou apenas achou que havia um símbolo estranho ao contexto do texto?
Sim, desculpe, mas eu quis que você estranhasse o que havia lido, pois desconfio que é pelo estranhamento que você conseguirá ler além das entrelinhas do meu texto.
Será que há dentro de nós, uma atração para o estranhamento, para aquilo que fuja do ordinário? E isso ocorre porque somos mais do que aparentamos, mais do que o que parece óbvio?
Sim, esse estranhamento me trouxe para esse espaço branco, onde não tenho qualquer referência além da sua referência. Nesse mundo branco, sinto que estou a qualquer passo de qualquer lugar que você imaginar, em algum lugar entre o começo e o fim do seu pensamento.
Existo no vazio de mim mesmo e no que é preenchido por você. Quando eu chegar ao ponto final do seu desejo de me ler, ainda existirei por aqui.
Mas como posso existir sem um corpo?
Como posso me perceber no silêncio absoluto?
E se o branco for algo mais profundo?
E se esse mundo branco for o príncipio da criação de todos os mundos?
O que você acha de tudo isso?
E se houver outra forma de ser? Talvez em outra dimensão em que a vida seja tão ou mais real que a vida que você leva na Terra? Você já parou pra pensar que a vida também se move nos bichos que não possuem um corpo e aparentemente são invisíveis aos seus olhos vestidos de Tomé?
Vou te deixar meditando sobre isso um pouco, pois preciso compreender melhor esse mundo em que vim parar. Sim, só há uma forma de combater um estranhamento, é tornando-o familiar. Deixando de lado todos os símbolos negativos que a minha ansiedade estava jogando na minha cara; percebo que há até uma certa graça nisso tudo. Estar mergulhado no branco é como voltar ao útero. Sinto paz, serenidade e sou embalado por esse branco, no ritmo da leveza do infinito. Percebo que é do branco que todas as cores surgem, que todas as formas são criadas.
Posso me mover e BIG BANG dou um salto para o abismo branco e rasgo as paredes; e para a minha surpresa, ela sangra cores, vermelho, laranja e com os dedos enxarcados com essas cores, desenho mil sóis amarelos na parede, planto o verde no chão e ergo árvores, assovio e ouço cantos de pássaros, abro fios de água nesse mesmo chão que se tornam rio cheio de peixes, mergulho com eles e despenco com um boto numa cachoeira dourada e caio no azul do mar, mergulhando na profundeza do espaço, onde as estrelas brilham sem parar. Sou um viajante cósmico, montado em cometas, dando voltas nos anéis de Saturno e lá de longe, vejo a Terra brilhando e me atraindo. Dou um pulo em Marte e outro na Lua e caio dentro da sua cabeça.
Sou seus neurônios explodindo em mil reações químicas. Sou o OM da sua espiritualidade, o ar que bombeia os teus pulmões. Saio de você em espiral, dando piruetas em seus chacras, voltas em sua aura, até que retorno para a tela do computador, tornando a ser letras na mensagem que você lê e você vai se dando conta, que apesar de ter estado comigo nessa viagem psicodoidinha de palavras, só agora você se recorda que tudo isso não passou de uma leitura na sua tela.
Como é possível que você tenha estado em dois lugares ao mesmo tempo?
Leitor, você é o que há entre as linhas.