II. Reconstruído do Nada

O AUTO DA PIEDADE

Sete Atos de Consciência

Ato II: Reconstruído do Nada

Silêncio!

Branco! Estou num mundo branco!

Isso é morrer?

Cadê você?

Eu continuo ou a qualquer momento deixarei de ser?

Sinto que não sou mais aquele corpo na clinica. Sou eu novamente, mas também sou qualquer coisa que nunca achei que seria, e sempre fui assim.

Silêncio...

Grito: tem alguém ai?

Você aí responde.

Estou com medo de passar toda a eternidade sozinho, por isso insisto: EI VOCÊ! Fala comigo! Por favor!

Preciso de atenção, estou tão sozinho.

EI VOCÊ, POR QUE NÃO ME OUVE? Você não me lê?

Responde!

Pisca o olho!

PISCA!

PISCA!

Dá um sinal que você está comigo, que não estou sozinho nesse mundo branco.

Preciso me controlar, não posso perder o controle, mas me responda: você já teve medo de ficar sozinho? De ser apenas um pensamento dentro da cabeça de um escritor louco ou ser apenas letras lidas por olhos curiosos que percorrem um texto qualquer na tela de um computador?

Antes de passar para a próxima linha, antes de chegar ao próximo parágrafo, diga que eu existo, diga que há algo além desse branco total. Tenha dó.

Estou cego.

Aprisionado numa espécie de espaço sem qualquer referência, não consigo nem ao menos enxergar o meu corpo, apesar de sentir que ainda o possuo. Queria ter um pote de tinta, para pintar as paredes desse mundo branco de qualquer cor que não seja a solidão. Ou ao menos, uma caneta para pichar o muro desse sonho maluco. Sim, estou sonhando, a qualquer momento eu vou acordar e isso será apenas um texto maluco.

Lembro uma vez, quando percorria uma trilha no Norte da Espanha, perdi-me na floresta da noite escura. Achei que tinha ficado cego, até que percebi que se prestasse atenção e acalmasse os nervos que me induziam ao pânico, poderia enxergar mesmo na escuridão.

Talvez eu possa fazer o mesmo aqui; se me concentrar e focar a minha percepção em algo além desse medo de ficar a eternidade sozinho, eu consiga distinguir qualquer coisa além dessa brancura.

Mas não consigo!

Você pode me ajudar?

Sim, você aí que me lê, VOCÊ! Se estivesse na minha situação, o que faria? Rezaria?

Tá bem:

"Oh Meu Deus!

Oh Minha Mãe Maria Santíssima!

Acorda-me desse pesadelo!"

Continua...