Meu defeito de fabricação

Nasci de oito meses e escapei da caixa de sapato, onde se costumava colocar os bebês prematuros por falta de incubadora. Encheram meu berço de algodão, puseram abajures em volta, tudo para esquentar. Sobrevivi.

Logo notaram que eu tinha um “defeito de fabricação” : era vesga e de “vista fraca”. Levaram-me, então, a consultórios de oftalmologistas. Todos deram instruções severas à minha mãe. O uso dos óculos devia ser constante. Que não me matriculassem na escola, ler e escrever seria prejudicial aos meus olhos. Não podia ir ao cinema. E, finalmente, mais um aviso: que deixassem a menina longe de linhas e agulhas. Costurar e bordar, nem pensar!

Desde os três anos passei a usar óculos.Não foi fácil! Tinha que ficar sempre com aquela coisa pendurada no nariz, que teimava em escorregar bem na hora das brincadeiras. Usei tampão, ora do lado direito, ora do esquerdo. Tomei injeções. Passei uma temporada em São Paulo para fazer exercícios de ortoptica., que até me divertiram, pois era como um videogame que as outras crianças não conheciam. Tinha flores para serem postas num vaso, menina para ficar na porta da casa, bola para o menino por o pé... Eu via cada figura com um olho e tinha que juntá-las.

Precisava tomar cuidado para não cair e quebrar as lentes – de vidro – o que poderia me machucar. Por isso eu tinha medo de muita coisa, inclusive de subir em árvores. E na primeira vez que criei coragem, fui empurrada lá de cima e caí de cara no chão. Os óculos voaram e se partiram ao meio.

Quando completei sete anos, mamãe desobedeceu as ordens médicas: matriculou-me no primeiro ano escolar. Ainda bem. Sem pregar botões até que podemos sobreviver. Mas, e se eu tivesse ficado analfabeta?... Já pensou?