Pós dia do amigo

Ontem foi o dia do amigo. Isso mudou muito a minha vida. Bah, é mentira. Eu poderia ter escrito esse texto ontem - até economizaria um pós no título - mas sou sempre do contra quando todos resolvem ir em uma direção sem pensar porque vão para lá. Talvez, se ninguém estivesse falando do dia do amigo, se não fosse mais um modismo empurrado pela mídia, eu teria escrito esse texto ontem. Talvez eu escrevesse sobre o dia do amigo no dia do amigo. Mas não.

Amigo do peito. Amigo de fé. Amigo imaginário. Mui amigo. Amigo da onça. Amigos para sempre. Amizade colorida. Tudo isso é sobre o que não vou falar aqui. Nem vou falar do argentino que teve a idéia de criar o dia do amigo no mesmo dia em que o homem pisou na lua porque, segundo ele, abriu-se a oportunidade de se fazer amigos em outras partes do Universo. Rá. Argentino idiota. Ele só esqueceu de mencionar quem era o amigo dele e perdeu a chance de eternizá-lo. Tirando os lunáticos e os fãs nostálgicos do filme ET, particularmente não conheço ninguém desde 1969 que tenha feito sequer um amigo alienígena. Pelo contrário, muitos perderam amigos depois que algumas naves foram para o espaço, literalmente. E não consigo me imaginar sendo amigo de um ser interplanetário, chamando um marciano pra um churrasco aqui em casa. Preconceito? Não, questão de gosto estético mesmo. Mas se aparecer uma alien igualzinha a Jessica Alba na minha frente vou querer ser bem mais que amigo, uma amizade bem profunda.

Meus amigos não são "estereotipinhos" que aparecerem no dia do amigo. E muito menos aliens. Eles não precisam de um dia específico para que me lembre deles. Aliás, desculpinha sem-vergonha essa de criar um dia só, para se lembrar de alguém, não? Feliz aniversário, fulano, muitos anos de vida. Isso depois de um ano sem trocar duas palavras com o fulano e levando um presentinho ordinário que ele depois não vai saber onde enfiar, já que quem deu o presente foi embora logo após comer três pedaços de bolo e deixar a louça toda pra lavar. Feliz dia dos namorados, meu amor. E o presente vem sempre acompanhado de algo a mais por trás. Estou falando de intenções, seu malicioso. Pode prestar atenção: ou se dá o presente no dia dos namorados esperando ganhar outro, do mesmo valor, é claro, ou se dá o presente querendo apimentar um pouco mais a relação naquele dia. Não que eu considere isso ruim, mas esperar um ano inteiro pra isso é falta de espontâneidade. Depois não sabem porque o Ricardão chegou antes e fez tudo o que você esperou tanto para sugerir. E sem dar presente algum. Feliz Natal! Época de nos reunirmos com a família e refletirmos sobre o nascimento do salvador da humanidade e a paz entre os homens. Paz para quem, cara-pálida? O que geralmente acontece é um campeonato em se comer de mais, beber de mais, fofocar de mais, mentir de mais e aturar aquele tio bêbado torrando a paciência pedindo algum emprestado com a última idéia de negócio milionário. Demais, não? Feliz Páscoa! Feliz Ano Novo! Feliz Hanuká! Feliz dia de Finados! Bah.

Meus amigos não estão vinculados a datas. Aparecem algumas vezes nas horas certas, mas sempre nas erradas. Amigo que não empata pelo menos uma foda não é amigo. São os que riem comigo, de mim e quando rio deles. Amigo bebe a marca de cerveja barata que você comprou, mesmo sabendo que vai ter uma ressaca desgraçada no dia seguinte. É o amigo que te apresenta a amiga feia da garota bonita com quem ele tá saindo, só pra você fazer a mesma coisa na próxima vez. Afinal, amigo que é amigo te sacaneia e é sacaneado por você. Peida e sai correndo sem avisar. Vomita no seu carro e dá em cima da sua prima. Te socorre quando você sofre um acidente, te consola quando você leva um pé na bunda ou quando o teu time cai pra segunda divisão. Não sem tirar uma onda, é claro. Mas o onda de amigo sempre vira a sua onda.

Você não sente saudades de amigo. Isso porque, se ele não estiver onipresente na sua vida, deixou de ser amigo. Virou passado, fotografia, lembrança para ser contada aos amigos atuais. Você não tem inveja de amigo. Mas sempre vai querer que ele faça um precinho especial pra você, seja qual for a profissão dele. É dentista? Vai ter que arrancar dois dentes pelo preço de um. É advogado? Além de ganhar a causa, obrigatoriamente, tem de cobrar metade do honoráio e descolar o telefone da estagiária. É garoto de programa? Bem, aí a gente aceita tomar um chopp mesmo, não dá pra misturar negócios e amizade, não é mesmo?

E o mais importante, o essencial: o amigo é um espelho que mostra como você é. Você tem os amigos que merece. Se os teus amigos vivem pedindo dinheiro ou a furadeira elétrica emprestados e nunca devolvem, é porque você tem a capacidade de emprestar para eles sem cobrar, e continuar amigo. Se tem amigos chatos, ignorantes, boêmios, namoradores, fãs de telenovelas ou de livros de vampiros, enfim, se tem como amigo aquele que ninguém mais aguenta, é porque o papel da vida foi escrito exclusivamente para trazer emoção à sua vida, a fazer você viver o que nunca viveria sem ele. Mas se você não tem nenhum amigo, não se desespere, não é porque você não merece. É porque o seu amigo ainda não está pronto, deve estar cozinhando por aí até chegar ao ponto de ser seu amigo. De um jeito que só você e ele serão capazes de definir, curtir e valorizar, como amigos.

(publicado originalmente em 21.07.2009 em www.jefferson.blog.br)