Chegou a Gripe Suína (desculpem suinocultores: Influenza A H1N1)
Estou sentindo no ar uma certa atmosfera de pânico. Ainda não é descarado mas, na minha modesta opinião, já é uma forma de pânico. Percebo também, em alguns poucos, um anseio por unidade, por confraternização, por ajuda mútua como, há muito, não percebo por estas cercanias tupiniquins. Tudo isto, é claro, acontece em função de uma instintiva necessidade de sobrevivência. Não. Não estou falando das últimas desventuras do senado brasileiro e dos bizarros personagens políticos com suas eternas crises de honestidade. Falo da famigerada "Gripe Suína". Desculpem senhores suinocultores, me corrijo: Influenza H1N1 (estes respeitáveis criadores não gostam que se impute este desagradável mal aos seus amigos e rechonchudos porquinhos).
Ao transcorrer dos dias é nítido que o cerco se fecha. O que antes parecia ser um mal distante, coisa de "cucaracha" mexicano ou "hermano" argentino, tornou-se ameaçadoramente próximo. O nosso Ministério da Saúde coloca em seus pronunciamentos uma previsão entre 40 e 67 milhões de infectados no país! É gente, hein? Por conta destes "recados" alarmantes, um sopro, uma fungada mais forte de alguém perto do meu rosto, já traz à tona a lembrança destes números. Penso:
- Se estas estatísticas do nosso Ministério estiverem corretas, a cada quatro fungadas que eu levar na cara , pelo menos uma será a de um portador da gripe! - Realmente passei a ficar nada à vontade próximo aos escarros, espirros e tossidos de transeuntes nas ruas. A bem da verdade, por precaução evito até os ventos dos assovios, por mais alegres que me aparentem...
Diante de minha situação peculiar (definitivamente não sou hipocondríaco) procurei informar-me melhor sobre esta misteriosa gripe que se alastra pelos cinco continentes de forma tão rápida e invasiva. Em minhas pesquisas, de pronto percebi um fator nada animador: notei que por parte dos infectologistas, do governo (não só o governo brasileiro, mas os de todos os países onde a doença definitivamente se instalou) e nos meios de comunicação são tantas informações contraditas que só posso pensar que, das duas uma: que ninguém, nem mesmo os especialistas, sabe direito o que fazer e como se comportar diante deste tenebroso microorganismo, ou, então, todos os detentores das verdadeiras informações sobre o que realmente está ocorrendo estão praticando alguma espécie de "desinformação" só para confundir e não alarmar a todos. Impressionante como ninguém é conclusivo. Nem mesmo dizem coisa com coisa.
Diante de tantos "porquês", procurei me precaver mentalmente das possíveis influências deste mal. Meus neurônios viajam em hipóteses e imagino até de modo requintado o que fazer para manter-me longe desta febre alta, dos espirros, da dor no corpo, da dificuldade de respiração, da improvável, mas possível pneumonia... Relaciono e decoro constantemente em minha memória as possíveis medidas, as precauções, os nomes dos medicamentos, etc...
Por outro lado existe um meu lado aguerrido e confiante... Uma outra face desafiadora que torce para que eu pegue este vírus, me recupere logo e siga normalmente minha vida com menos este fantasma a assombrar. Afinal, já são tantos em nosso cotidiano! Podem me achar louco, inconsequente, mas é a pura verdade! Nada pode ser tão ruim quanto a expectativa de que algo de ruim pode acontecer. A angustiante espera de um destino a qual não temos o menor controle pode ser pior até do que o próprio fato consumado, em si.
Esta gripe me faz lembrar duas histórias: a primeira, clássica, de Édipo e sua infrutífera tentativa de burlar seu próprio destino de vir a matar o pai e amar a mãe - Será que, ao tentar me afastar desta doença de forma paranóica não estarei, isto sim, indo ao encontro dela? Tantos cuidados, tanto, tanto medo nunca me cheiraram muito bem... Sabe aquele filme "trash", tipo "sexta-feira 13", onde o cagão é o primeiro a levar facada? Então... - A outra história que me vem à mente é a do livro de José Saramago, "Ensaios sobre Cegueira". Para quem não leu o livro ou viu o filme, vai aqui um super-resumo: A humanidade é acometida por uma doença misteriosa que deixa todas as pessoas cegas. O livro gira em torno dos acontecimentos subsequentes à esta pandemia fictícia, contando a respeito de um pequeno grupo pessoas. Ao final, a doença some da mesma forma misteriosa que apareceu, e todos os sobreviventes recuperam a visão. Bem, é claro que este livro não fala de cegueira mas, isto sim, fala da "falta de visão" de perspectivas, de anseios, dos sentimentos de cada um em particular e em relação aos seus semelhantes. Aquele pequeno grupo de personagens cegos se une e consegue enxergar uns aos outros superando a forma plástica, sob uma perspectiva mais sincera e humana, além do que a simples visão ocular é capaz de realizar e que pode inclusive, neste caso, atrapalhar.
Parece-me que esta possibilidade de pandemia começa a fazer emergir do interior das pessoas, mesmo que de forma tênue, tímida, algumas típicas reações narradas nesta maravilhosa obra deste mestre luzitano, prêmio Nobel da literatura: provocar em muitos aquele estado animalesco de seleção natural tipo "salve-se quem puder que eu vou na frente", ou, então, em alguns outros, despertar aquelas atitudes que diferenciam o ser humano de um animal qualquer, ou seja, o desejo de buscar, mesmo que em meio às dificuldades e perdas extremas, uma união de anseios e sentimentos para com os semelhantes que possa combater a inevitável solidão causada pela perspectiva de um futuro negro.
De qualquer maneira, e em meio a isto tudo, sempre procuro algum lado bom. Acho a aportunidade profundamente interessante. Claro, não quero morrer, muito menos que alguém morra desta gripe. Porém desejo muito, como prega um certo livro de auto-ajuda muito divulgado neste planeta nas últimas centenas de anos, que as pessoas tenham "uma vida mais abundante". O certo é que, para isto ocorrer, certamente não é só ter a saúde perfeita o que conta... É preciso exercer a prerrogativa de ser "humano".