O "TÊNIS" novo

O seu sonho era ter um TÊNIS da moda, estava cansado de usar sempre os mesmos de R$20,00 comprados pelo seu pai, eram bons e bonitos, mas não eram da moda, nem em comercial passavam, imagina um tênis que custa R$20,00 ser propaganda em horário nobre da TV “Plim-Plim”. O que ele desejava era moderno, fashion, de couro de ornitorrinco criado em laboratório, com 35 molas para o amortecimento exclusivamente desenvolvido pela NASA, cadarços duplos brightview em duas cores, sistema “Flaton t30sh” de refrigeração, usado por “jovens que sabem o que a vida tem de melhor”.

Como o slogan “jovens que sabem o que a...” não saia de sua cabeça, um dia acordou decidido e falou aos seus pais:

- “Vou trabalhar, não aguento mais usar esse tênis cafona e brega, sempre da mesma cor (marrom), eu quero igual ao do comercial”.

Seus pais pediram paciência ao filho, sabiam da dificuldade e que seria impossível lhe dar de presente um tênis igual ao do comercial, sua mãe ficou chocada com a sua falta de consideração:

- “Oh meu fio, respeite as coisinhas que seu pai dá com tanto carinho, não sabe o quanto ele trabaia para lhe comprar um”.

- “Está decidido mãe, amanhã começo no emprego”.

Saiu para o colégio sem dizer mais nada, nem café bebeu. No dia seguinte iniciou a sua jornada, vinha em casa apenas para almoçar e já voltava para a fábrica, uma fábrica pequena (fundo de quintal) de vassouras de piaçaba, ganhava um salário mínimo, pouco para quem pretendia ter o tal TÊNIS, seus pais que no começo não gostaram muito da ideia com o medo dele abandonar os estudos e ainda tristes pela falta de consideração, ficaram surpresos com a sua superação.

Pensavam que com o garoto trabalhando poderia ajudar nas despesas da casa, puro engano, com o primeiro salário na mão conquistado com o seu suor depois de muitas vassouras fabricadas, esperou o fim de semana para ir buscar na loja o seu tão aguardado TÊNIS, no caminho ficava repetindo a frase do comercial: “jovens que sabem o que a vida tem de melhor”, já no estabelecimento entrou confiante escolheu sem pressa e dentro das inúmeras cores (e não as mesmas dos tênis comprados pelo seu pai) escolheu um azul-mar com detalhes em preto, um p. TÊNIS, lindo pra caramba, e muito caro, muito caro mesmo, dividiu em algumas boas parcelas, uns dois anos de trabalho.

Calçou ali mesmo, saiu andando pisando em ovos, não queria estragá-lo justo no primeiro dia, em casa desfilou pelos cômodos, e de tão bonito e “caro” seus pais até esqueceram-se da sua ingratidão e sorriram com a felicidade do filho, durante o sábado e domingo só retirou do pé para tomar banho e dormir, os seus colegas do bairro (também desejosos por um igual) ficavam admirando aquele lindo calçado visto por eles apenas nos comerciais da TV “Plim-Plim.

Querendo mostrar também a outros colegas da escola, limpou cuidadosamente com um pano úmido cada frestinha (quanta frescura em um simples tênis), nem deixou a sua mãe encostar no “precioso objeto” (apesar do costume de limpar os seus outros tênis de R$20,00), para secar colocou sobre uma almofada dentro do seu quarto, chegou a dormir abraçado com o par de calçados. No dia seguinte, feliz da vida, tomou o seu café e seguiu para o colégio, chegou assoviando, com as mãos nos bolsos, todo empinado, não teve um que não olhou para os seus pés, seus colegas se aproximavam e ficavam vislumbrados, com aquele maravilhoso TÊNIS. Naquele dia ninguém estudou, todos estavam “hipnotizados”, a cada momento repetia a famosa frase: “jovens que sabem ...”, no recreio e na hora da saída uma multidão o acompanhava, todos queriam chegar perto dele (do TÊNIS), voltou para casa soberbo, o efeito produzido aconteceu exatamente como previra. Almoçou como “gente grande” (apesar de nunca colaborar) e partiu para o trabalho que já até pensava em sair, antes sua mãe lhe perguntou sobre o TÊNIS e aconselhou deixá-lo em casa:

- “Oh fio num vá trabaiar com ele não, é perigoso vortar à noite, ta cheio de gente ruim lá fora!!!!”

- “Pô “veia” fica de boa aí, comprei o TÊNIS pra usar e não deixar em casa”

A noite foi surpreendido por dois trombadinhas também sedentos pelo TÊNIS (jovens que sabem o que a vida tem de melhor) voltou chorando com um par de congas nos pés entregue por eles, que ficaram com “dó” ao lhe roubarem, seus pais não deram um “piu” (a vida tinha lhe dado a lição), desconsolado e cheio de dívida (dois anos) nem conseguiu dormir a noite, procurou o seu velho tênis marrom dado por seu pai e tirou o pó acumulado, pela manhã, com sono e sem graça, foi para o colégio.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 19/07/2009
Código do texto: T1708504
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