VIA CAPELLO.
“Os teus lábios apagaram os pecados dos meus,
e os meus lábios guardaram para eles,
os pecados que encontraram nos teus”.
Esses apaixonantes versos foram trocados por um casal, em um beco escuro que dá acesso a um pequeno pátio, protegendo-os assim de olhares curiosos. Este lugar é um dos mais famosos endereços que se têm notícia na atualidade. As casas da Via Cappello 27, todas do século XIII, bem preservadas, são testemunhas de uma trágica história, juntas guardam um segredo falacioso do grande público.
Imagine duas famílias inimigas mortais, que infernizam a rotina de uma pacata cidadezinha do interior, pois, vivem em constantes conflitos, os quais perturbam a ordem e a paz da comunidade. Estes acontecimentos provocam a ira da autoridade local, que determina um castigo aos envolvidos nas desordens, caso as provocações não terminem. Um adolescente passional e corajoso, filho de uma das famílias conflitantes, está interessado por uma moça que o desdenha. Seus dois melhores amigos o convidam a um baile, com o intuito de fazê-lo esquecer da moça. No baile o rapaz admira-se por outra jovem e linda menina, que lhe retribui a admiração, no entanto, descobre ser ela da família oponente. Curioso, naquela mesma noite o rapaz a segue e invade o pátio da casa da jovem, que conhecera no baile, escondido pela penumbra da noite, a escuta conversar consigo mesma, na sacada de seu quarto; falava sobre seus insípidos sentimentos daquela noite, sobre o moço que conhecera; bastou para que o rapaz, decidido, revela-se a ela e após trocas de juras de amor eterno...
Se você está pensando ser esta história semelhante a dos Montecchios e dos Capuletos de Romeu e Julieta, você não está enganado, trata-se da mesma clássica história da paixão entre dois adolescentes, levados à morte, em virtude da impossibilidade do amor entre ambos, causado pela inimizade entre suas famílias. A história vivida na cidade de Verona às margens do Rio Adige, no século XVI, teve ainda como cenário o imenso Anfiteatro Romano, construído em 30 d.C., os vinhedos de Valpolicella, Bardolino e do lindo Lago di Garda. Todos aludindo ao trágico romance, que transformaram a cidade em símbolo do romantismo, por ter sido palco, da mais conhecida história de amor em todos os tempos. A cidade que dista de Veneza, outro cenário do romantismo, a poucos minutos de trem, tem na casa de Julieta, sua atração mais famosa, mesmo, infelizmente, não fazendo por merecer a fama alcançada. A história criada pelo genial William Shakespeare é ficcional e fora baseada remotamente em fatos acontecidos na cidade de Siena, na Toscana, conforme poema de Arthur Brook. Há de se perguntar como uma história fictícia pode sustentar tamanha romaria turística? Como uma pequena e simples sacada de uma casa antiga, situada em um pequeno largo se transforma em “via sacra” do turismo?
Essa é a falácia que colocou Verona em evidência, sendo responsável o não menos genial, Franco Zefirelli, foi ele quem em 1968 filmou na milenar Verona a trágica história, colocando aquela simples sacada, onde Julieta se debruçava para conversar com Romeu, em um dos lugares mais procurados da atualidade. Transformou ficção em realidade, marcando toda uma geração, convertendo o cenário de seu filme em museu. Penetrou no imaginário das pessoas, em todo o mundo, causando fortes emoções, trazendo aos dias atuais a magia da renascentista Verona de outras épocas.