“VOCÊ NÃO GOSTA DE MIM, MAS SUA FILHA GOSTA”

Ciente da paixão avassaladora de um “raparigueiro, com fama de galinha”, por uma menina recatada, cujo pai jamais aceitaria o namoro dos dois, Chico Buarque de Holanda, um dos maiores compositores brasileiros, sem dúvida, faria uma poesia com este título.

Mas um poeta lírico e popular, assumindo sua condição de homem apaixonado, produziu uma poesia que me faz repetir esta sextilha, de minha autoria:

Pinto do Monteiro disse

Pra que a gente não se gabe

Poeta bom é aquele

Que sendo poeta sabe

Tirar de onde não tem

E botar onde não cabe.

Foi o que fez o meu amigo Kerlle de Magalhães, poeta bom e grande poeta, neste magnífico poema VOU MORRER PENSANDO NELA, dando o testemunho de que, os poetas populares do Nordeste não deixam nada a dever se comparados aos famosos poetas clássicos brasileiros.

Parabéns, Poeta Kerlle, é por isso que eu sou seu fã. Um grande abraço!

Ismael Gaião.

VOU MORRER PENSANDO NELA

Kerlle de Magalhães

O amor é uma doença

Que extravasa a emoção

Derrubando qualquer crença

Contrariando a razão

Pelo amor fui vitimado

Hoje vivo embriagado

Com minha vida obscura

Convoquei já pro além

Pra dizer para o meu bem

Que só ela é minha cura.

Eu já fui raparigueiro

Tinha fama de galinha

Fui o moço mais festeiro

Que Serra Talhada tinha

Era o rei da safadeza

Uma alma com impureza

Numa vida vagabunda

Cabaré eu conhecia

Onde foi minha alegria

Na vadiagem fecunda.

Já briguei no mei da rua

Com marido ciumento

Já pegaram freira nua

Comigo lá no convento

Levei grito do vigário

Dentro do confessionário

Pelos meus pecados feitos

Namorava até na missa

Com Maria, uma noviça

Aumentando os meus defeitos.

Minha vida foi a festa

Que satanás desejou

O inferno foi a resta

Que na noite me inspirou

Pra cair numa gandaia

Atrás de um rabo de saia

Seduzindo a mocidade

Fiquei muito conhecido

Hoje rende o apelido:

Namorador da cidade.

Numa tarde de verão

Vi passar um sonho meu

Bolinou meu coração

O meu corpo se tremeu

Fiquei anestesiado

Como um sonho alucinado

Nessa mente enlouquecida

Idalina era o seu nome

Se passando a minha fome

Pro resto da minha vida.

Esperei ela passar

Na frente da prefeitura

Fui levado ao seu olhar

Que só tinha formosura

Chegando me apresentei

E uma florzinha lhe dei

Ela riu e agradeceu

Eu peguei em sua mão

E entreguei meu o coração

Dizendo a ela que é seu.

Declarei o meu amor

Sugerindo-a em namoro

E ela linda como a flor

Na beleza de um tesouro

Me quis como namorado

Mas tando condicionado

Até onde a paixão vai

Com a simples condição

De pedir a permissão

Pra namorá-la, a seu pai.

Noutro dia fui contente

Para casa de Idalina

Vesti-me decentemente

Uma roupa muito fina

Caprichei no penteado

Com o sapato engraxado

No cinto, a melhor fivela

Como um genro se comporta

Eu bati em sua porta

Quem abriu foi o pai dela.

Eu, bom dia seu Toinho!

Eu sou Kerlle de Lenira

Neto do velho Dezinho

Sobrinho de Dona Almira

Tô aqui na intenção

De pedir a permissão

Pra namorar Idalina

A caçula do senhor

Formosa encantada flor

Que no peito me domina.

E cum dedo em minha venta

Esse véi me respondeu:

Ô seu fi duma jumenta

Por acaso enlouqueceu

Seu maníaco, seu tarado

Seu louco, cabra safado

Deletério duma figa

Vá atrás dum cabaré

Que aqui num tem mulé

Pra ser sua rapariga!

E deixe de converseiro,

Seu bostinha sem vergonha.

Tire os pés do meu terreiro

Pra fora daqui se ponha

Minha fia num é galinha

Para ser rapariguinha

Prum bebo de sua laia

E deixe logo de arenga

Vá viçar em uma quenga

E pra fora daqui, saia!

Recuei para o portão

Agi com delicadeza

Ao ouvir essa agressão

No meu peito... só tristeza

E baixei por um momento

A vista pra o calçamento

De dizer, não disse nada

Engoli minha resposta

Fui pra casa feito bosta

Sem olhar pra minha amada.

Fiquei muito envergonhado

Pela rua sem destino

E depois fui informado

Sobre aquele pai cretino

Que ordenou minha Idalina

Minha flor, minha menina

Simbora pra capital

Num local desconhecido

Eu fiquei enlouquecido

Com três dias passei mal.

Esperei o seu regresso

Uma carta ou um aviso

E por nada me interesso

Só do seu amor preciso

Ninguém sabe me informar

O endereço que ela tá

E a cachaça me abufela

Se eu não vê-la nunca mais

Digam logo pra os seus pais:

Vou morrer pensando nela!

Kerlle de Magalhães