Primeiro Amor

Voltar para casa de ônibus coletivo a noite era sempre uma delicia!

Alem é claro daquela sensação de liberdade, de estar fazendo alguma coisa quase proibida que todo adolescente adora, tinha o detalhe do cobrador que geralmente me deixava "pular a roleta", aquilo que era aventura!

Tinha uma brincadeira que eu adorava, mas para que ela funcionasse, eu tinha que ficar sentado no banco de traz e o ônibus tinha que estar vazio, o que era sempre o caso a noite.

Eu então ficava atrás do ônibus, sempre vazio, sentado de tal maneira no banco que quando o ônibus passava por um buraco( e eles eram muitos) e dava um solavanco, era só dar um pequeno impulso extra para que eu ficasse no ar, sem contato com o banco por um segundo a mais e dava uma sensação momentânea de se estar flutuando.

Aquilo excitava a minha imaginação num tanto... E lá vinha eu então mergulhado nas fantasias de mundos imaginários e guerras intergalácticas...

Porem naquela noite, naquela bendita noite, eu vi a menina mais diferente e interessante que vi em toda a minha vida!

Ela estava sentada uns dois bancos pra frente, com o olhar perdido no vazio, suspirando e repetindo em voz alta sem parar: "ha, eu não sei, não sei mesmo, não sei não, não sei mesmo..." às vezes balançando a cabeça lentamente de um lado pro outro.

Mano, aquilo foi paixão instantânea, que visão do paraíso!

Acho que na época não tinha vocabulário para tanto, mas devo ter pensado algo assim do tipo “puxa, que profunda reflexão filosófica, nossa que mulher!".

Claro que eu nunca tive a coragem de chegar, me apresentar, compartilhar de toda aquela belíssima e profunda reflexão filosófica em forma de gente. Eu era tão tímido que não sei mesmo como é que eu conseguia respirar.

Nem mesmo quando (vejam só a sorte!) ela se mudou para a casa ao lado da minha. Foi quando eu descobri o que pra mim na época era um defeito gravíssimo! Ela gostava de escutar Bee Gees. Era então que eu colocava uns rocks brabos bem altos pra tocar e assim os dias iam se passando sem mesmo trocarmos nem ao menos umas conversas a não ser talvez uns bons dias e boas noites...

Não me lembro exatamente a seqüência, mas foi então que tivemos dois encontros simplesmente inesquecivelmente espetaculares.

O primeiro foi mais ou menos assim:

Tava eu voltando da escola debaixo daquele solão do meio dia quando a encontrei parada numa esquina ao lado de um cachorro (que depois vim a perceber que era uma na verdade uma cadela) deitado no chão meio ofegante, como se estivesse ferido ou doente. A cena me chamou a atenção pela aparência grave da situação.

Como bom cavalheiro que sou, mandei a timidez passear e parei pra oferecer ajuda, perguntando o que estava acontecendo.

Ela me respondeu numa voz triste que a cachorrinha tinha acabado de ser atropelada e estava morrendo e como é muito triste morrer sozinho, ela tava ali fazendo companhia.

Rapaz! Aquela resposta tocou fundo meu já tão sensível, doce e tenro coração de mamão papaia. Ai que mulher...

Puxa - eu disse - então fico com vocês! Já ali cumprindo minha franciscana tarefa de vida, graças a Deus.

Ali ficamos, em respeitoso silencio e amorosa compaixão por algum tempo, quando me veio uma idéia!

- Vamos chamar um veterinário! Eu conhecia um cara legal que morava a umas três quadras dali.

A dona da casa recebeu com certo espanto aquele moleque apressado e ofegante que estava gaguejando coisas sobre um cachorro atropelado. Meu filho - ela disse - meu marido ta trabalhando, ele só volta à noite, da uma passada aqui então e ai a gente vê, ta bom?

OK, fazer o que! Voltei triste e apressado para encontrar a menina ajoelhada ao lado da cadelinha numa cena de cortar o coração.

Muito bem - ela disse decidida - vamos então carregar ela pra minha casa!

Não me pergunte como conseguimos desenrolar a façanha porque realmente não me lembro.

O fato é que conseguimos e que a cadelinha continuava viva naquela noite quando trouxe o veterinário pra fazer o exame. Descobrimos entre tristes e alegres que ela não morreria, porem iria ficar paralitica. Ela não mais andara disse o medico - a base da coluna ficou muito comprometida.

Assim foi, os meses foram passando, me lembro ainda como fiquei tocado quando ao chegar a casa dela um dia a encontrei segurando a Belinha (acho que esse era o nome que colocamos nela) pela parte traz eira, permitindo assim que ela se exercitasse. Cara, impressionante!

Agora, impressionante mesmo, e, por favor, acredite porque é a pura verdade, foi o fato de que ela um belo dia voltou a andar! Isso mesmo a Belinha andou! Com as quatro patas, meu, aquilo foi um dia feliz para todos!!!!

Verdadeiro presente celeste da natureza, de como o amor, o carinho, a dedicação pode transformar e modificar a realidade.

Bom crianças, vamos ficando por aqui hoje, outro dia tem mais tá bom?

Edu Varjão
Enviado por Edu Varjão em 18/07/2009
Reeditado em 23/07/2009
Código do texto: T1706918
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