Jardim da Saudade II
Resolvi, sem motivo lógico, bater à porta. O fiz. Um homem – que, mister é pontuar-se logo, demonstrava total estranheza ao que olhava – abriu-me a porta. Antes que pudesse mover-me, falou-me ele: Entra. Que pessoa em sã consciência abriria a porta de sua casa a um estranho? Tirei-o logo por louco. O homem afastou-se, como se tivesse certeza que eu iria entrar. Entrei. Bati a porta às minhas costas. Chamo-me Tenório Valjean: é um prazer conhecê-lo, disse. Sentia uma ansiedade imensa tomar conta do meu corpo. Talvez fosse o contraste daquela calma que via; não medi bem. Não é estranho que veja-lhe aqui, falou Valjean, ainda sem conhecer minha voz. Eu estava a andar – comecei – e vim, ao acaso, parar aqui; não sei que força estranha motivou-me a bater à sua porta. Acaso? Força estranha? Vejo-o bastante confuso, amigo Gates. Confesso que, quando meu nome saiu por sua boca, não percebi que não o havia dito antes. Que sensação estranha... Parecia conhecê-lo de anos, ainda que pela primeira vez visse sua face. Aguarde-me, disse Tenório. Em um minuto, voltou ele com um violão; sentou-se. Começou a tocar. De olhos fechados, executou uma música belíssima, carregada de solos – ainda que no violão. Quando terminou, questionei-o: Mas como conseguiu você gravar e pensar – na execução – uma nota atrás da outra, sem esquecer, ou sequer olhar? Eu não penso ao tocar, Chrono: eu sinto. Uma frase pode significar menos que o menor pedaço insignificante de consciência, mas não era isso que eu via. Aquele homem, simples a princípio, despertou em mim uma amizade imensa, que começou aqui.