ERA A JOVEM GUARDA

Em várias oportunidades em que meu filho baixou músicas na internet, percebi que ouvia uma seleção dos anos 60 e 70, detendo-se em vários pot-pourri da Jovem Guarda. De início, estranhei o interesse, pois sempre o vi trocando e tocando CDS de funk ou sertanejos.

Pois bem, passado o espanto, fiquei de longe ouvindo e observando o comportamento dele. Minimizou a tela e entrou a realizar as tarefas usuais no computador, ao som dos hits daquela época. O curioso foi perceber que estava apreciando.

Aos poucos fui me aproximando, me disfarçando, até que resolvi perguntar o nome da seleção para que eu também pudesse baixar nos meus arquivos. Mostrou-me de bom grado e continuou ouvindo. Disfarçava o interesse até que ousei cantar junto. Afinal, eram tempos áureos da minha juventude. Mais que cantar, comecei a dançar pela sala, num ritmo entre rock lento e iê-iê-iê e viajei no tempo. Ele olhava de rabo-de-olho, meio que constrangido, mas continuou selecionando as músicas, senti que para mim.

A surpresa foi enorme porque, na idade dele, qualquer interesse maior da gente soa para os jovens como um desincentivo fatal e isso não ocorreu.Comecei a divagar por um passado não tão distante em minha vida, enquanto repetia passos da dança que jurava esquecidos.

O auge eram os shows comandados por Roberto, Erasmo Carlos e Wanderléa. Os discos, ou long-plays de vinil e os compactos simples e duplos da trupe e de outros figurões do ritmo eram esperados com ansiedade. E como decorava todas as letras que ainda as tenho em mente até hoje, apesar do tempo. As mini-saias da garota papo firme do Roberto, que a vigilância dos pais proibia usar, mas que burlávamos dobrando o cós da saia, mal ganhávamos a rua. Desculpe, éramos muito jovens...Sem contar as revistas especializadas que comprávamos com o dinheiro da merenda acumulado e os pôsteres de brinde que vinham nos encartes e iam diretos para a parede de nosso quarto.

Não era fácil para mim e minhas irmãs curtir tudo o que queríamos, apenas sonhávamos usar as roupas ousadas da Wandeca, tornar, por um golpe de sorte, a fã especial do Roberto, pra não dizer a namorada, enquanto, para meu pai, aquela turma não passava de cabeludos irreverentes e rebeldes.

Passados mais de quarenta anos, entendo o peso do movimento, onde toda uma cultura foi influenciada, apesar de não empunhar uma bandeira política, sem que nenhum de nós se desse conta de que estava vivendo e compartilhando uma história que marcou época, apesar de ter seu auge em parcos três anos ou pouco mais, ou seja, de 1965 a meados de 1969.

Com a alma lavada pela intensidade das lembranças, e pela catarse realizada, não tenho como não repetir Neruda, quando digo

“confesso que vivi”.