Flores roxas

Flores roxas

Maju Guerra

A menina tinha seis anos. Calada, pensativa, ensimesmada, não brincava muito com outras crianças. Em casa não lhe davam tanta conversa, criança perguntava demais, diziam. Gostava então de ouvir os mais velhos e de falar com ela mesma na frente do espelho.

Um dia o pai passou mal, correria, a mãe e a avó em pânico, os vizinhos na casa, ambulância na porta. Queria saber o que estava acontecendo, mandaram com firmeza que fosse para o quarto brincar com as bonecas, aquilo não era assunto de criança. Ela foi mas entendeu a gravidade da situação, ele nunca adoecera.

Os dias se passaram e nada de notícias do pai. O ar estava tenso e pesado. Boba a menina não era, perguntou e lhe responderam: está tudo bem, qualquer dia ele volta. Ela percebeu a mentira, via a dor nos olhos e ouvia a tristeza na voz da mãe. Como perguntar era pior, resolveu acreditar. O seu sofrimento e a sua saudade não foram notados. A menina jurou que jamais agiria daquela maneira com seus filhos quando fosse grande. Criança entende de tristeza e de dor.

Um dia a mãe voltou chorando com um punhado de flores roxas na mão. As flores deixavam um rastro de cheiro estranho e desconhecido. Abraçou-se com a Vó Maria, depois a chamou no quarto e disse segurando suas mãos: minha filha, seu pai morreu, foi morar com Papai do Céu. A menina ficou parada, não compreendia muito a morte, sabia somente que nunca mais o veria. Chorou sozinha, sentiria muita falta dele, das histórias na hora de dormir, do beijo carinhoso...

A mãe e a avó comeram alguma coisa, tomaram banho, se vestiram de preto e saíram em silêncio levando as flores. Disseram que ela ficaria com a vizinha do lado e que se comportasse como uma mocinha. A menina ficou mais silenciosa ainda, o coração doía, doía só de bater. Dormiu assustada, casa diferente, cama diferente, pessoas diferentes. No dia seguinte a mãe e a avó chegaram tristonhas, a mãe chorava pelos cantos. No começo recebiam visitas mas com o tempo a vida continuou apesar de ter perdido a graça, do pai pouco se falava. Pediu à mãe que a levasse para vê-lo lá no Céu, mas ela disse ser impossível, bastava rezar ao se lembrar dele. A menina se conformou então. A lembrança mais forte que lhe restou do pai foi o cheiro esquisito das flores roxas.

Maria Julia Guerra.

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