Uma viagem de ônibus
OBS: foi feita em 4-08-2007
Estava a voltar para casa. Entrei no ônibus.
Sentei do lado direito; pela janela, vi a vida passar.
Situada na humilde redundância do ser alguém além,
Entendi o que é ser alguém a mais.
E entre dezenas de profundos pensamentos, voei.
Alguém tropeçou em meu pé. Pelo instinto animal - como quem sofre plena dor -
Adentrei seus olhos.
Perplexo, senti um nada em meio ao sentimento acaso.
Em seu olhar havia arrependimento: vi-lhe a simplicidade.
Não me lembro se era homem ou mulher, pouco importa.
Morrerei sem saber seu nome.
A pessoa virou-se, e sem encarar-me, pediu desculpas, com simples palavras:
“Desculpa moço.”
Como a inocência aos pés do crucificado, e a cruz como redenção do sem culpa,
Parei por um instante, refleti:
Achei que seria sempre a imortal e velha criança, que se perdia em um esconde-esconde.
Mais uma vez: errado:
Eu não era.
Passei pela catraca e corri, chovia.
Vi poucas pessoas a fugir de um banho, e eu também fugi;
Fugi porque pretendia morrer em meu cárcere, todavia foi inevitável.
Como um homem que vira santo,
Lavei minha alma; já não existia volta.
Contemplei cada gota d'água em minha camisa, que aos poucos passaram a cair,
Assim como o meu amor pelas pessoas.
Pensei a última vez que dera um verdadeiro abraço.
A memória correu, correu, e não levou a nada.
A alma da criança - que sempre correu num esconde-esconde – tropeçou;
Escorregou e não olhou para trás: havia tempo demais para pensar.
E como pouco pensei, não errei;
Perdi, por instante, somente a capacidade de amar como criança.
Pensei ainda que as gotas que caiam podiam ser as pessoas que sumiram de minha vida.
O quanto amava sem demonstrar? Ó quantas cartas de amor eu poderia escrever...
Não o fiz.
Agora não existem mais papéis; a folha de ofício, vazia, parece completa.
Brincava porque sabia que existia tempo, mas – e essa conjunção é relativa -
Aquela pessoa, de súbito, acordou-me: “Moço.”
Não sou mais uma criança, aquela criança.
Sou somente um moço, e, como moço, virarei homem;
Como homem, velho.
Desliguei-me da minha mente (estava perto do fim da ladeira).
Olhei os céus e vi uma pipa, uma única pipa.
Ela resistia -
Deveria ser como eu -;
Ela estava lá. Provavelmente viu muitas delas cortarem os céus, todavia era só.
Voltei à minha vida.
E, ao contemplar a pipa por um grande momento, sumiu ela.
Surgiram as estrelas - milhares de estrelas.
Esqueci a face do dia, tão só, somente o dia...
Existe algo que me prende agora.
Só existe noite.