Jardim de inverno
  

Pernas cobertas por uma manta, meu amor e eu conversamos amenidades sobre a cama de casal. À nossa frente, Heloísa, dois anos e nove meses pula no colchão animadamente, incapaz, na sua alegria de criança travessa, de sentir o frio que recolhe os adultos.A televisão está ligada, mas não nos seduz.Nosso instante é completo.Sentimo-nos mais sólidos,unidos.Nesse momento, a felicidade é do tamanho de um colchão de molas.Cada coisa tem uma aparência harmoniosa: a manta de Fleece cor rosa seco me dá a impressão de estarmos num jardim: nossas raízes estão firmes ali; a criança é o girassol que, com seus saltos fenomenais, alcança o céu da imaginação.Tudo é primavera, o inverno resume-se ao vento que assobia lá fora.

 

Um pouco cansada, a menininha senta-se na cama para recuperar o fôlego por conta de seus sucessivos saltos.Uma notícia no telejornal nos rouba a tranquilidade: uma criança de cinco anos caiu do quinto andar de um prédio no Rio de Janeiro: “Pobrezinha”, dizemos quase em uníssono. Chama-se Rita de Cássia.Penso em acácias.Eis uma florzinha arrancada precocemente de seu jardim.

 

No meio de nós, Heloísa dorme.Profundamente.Serena, alheia a tudo.A testa úmida de suor evidencia o cheirinho de sabonete do banho há pouco tomado, assim que me aproximo para beijá-la.Um fio de baba vara o lençol. Aninho-a em meu colo e calmamente a levo para o quarto dela.Novo beijo.Peço a Deus que a proteja e que cultive em seus sonhos apenas árvores, flores e plantas de ornato.

 



(Maria Fernandes Shu – 15 de julho de 2009
)
 

*Na imagem, acácias.
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 15/07/2009
Reeditado em 08/08/2009
Código do texto: T1700280
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