Texto para um dia stand up.

Texto Para um dia stand up.

Alexandre Menezes

Talvez há três décadas escutasse um tango. Hoje, não só o desespero parece ser moda, mas também o pânico, o chilique, a depressão, tantas síndromes, falta do que fazer... Com o tempo, algumas coisas sempre são acrescentadas. No meu caso uma música argentina, mistura de um monte de ritmos, Vasos Vacios da Los Fabulosos Cadillacs, Belchior e poemas de João Cabral de melo Neto. Moda também é pensar que quem é alegre está com problema. Estava extremamente feliz e o vizinho sem ocupação.

Chamei sua atenção só porque, contente comigo mesmo, quando não ouvia música declamava aos gritos versos de diversos autores que pareciam adivinhar a chegada da morte ao escrevê-los. Na realidade nem sabia mesmo o motivo, mas fazia isso sozinho até o novo amigo entrar sem bater e começar fazer perguntas e dar conselhos para os pré-definidos problemas que acreditava serem existentes no novo morador.

Com uma oração em mãos perguntou-me se havia desistido de sonhar. Arregalei os olhos em sua direção e afirmei que algumas vezes os tinha mas que todos eram sempre abandonados após as diversas e desesperadoras crises existenciais e, atualmente, as de maturidade. Ofereceu-me um livro de auto-ajuda escrito por um pastor da TV, continuou com suas palavras e eu com a minha alegria incompreendida. Falava muito, já eu escutava e fazia meu improvisado stand up que era interrompido de forma não muito amistosa e que eu respondia com toda satisfação.

Após gritar aos berros o desejo copiado de que minhas palavras, feito faca, cortassem a carne de todos naquele prédio ele saiu sem nem se despedir. Tranquei a porta, voltei a ouvir minhas músicas, declamar os textos e a sorrir só por pensar na cara dos moradores ao nos encontrarmos na minha primeira reunião de condomínio.