O AUTO DA PIEDADE: Ato I
O AUTO DA PIEDADE
Sete Atos de Loucura
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Ato I: A Entrega
Estou entregando a mente!
Desisto completamente de lutar por minha sanidade,
Entrego-me a loucura,
Como quem se joga do vigésimo andar de um prédio decadente da Baixada do
Glicério.
Lá em cima, deixo apenas uma quitinete, reflexo do castelo que já possui algum
dia.
Monto o cavalo da loucura,
Esse alazão negro sem direção,
Que pula por janelas ao invés das portas.
Não sei onde esse galopar me levará; mas para ser sincero,
Isso pouco importa,
Pois se preocupar com mapas e destinos era coisa da razão,
Que foi-se embora,
Enquanto eu combatia essa falta de centro,
O descontrole no pensar que quebrou todos os meus alicerces.
Foram-se as rédeas sociais,
Larguei o trabalho que pagava as contas;
Agora, cato latas para pagar o que como e bebo,
Vasculho lixeiras para montar o meu guarda-roupa de farrapo humano.
Antes me olhavam com preconceito, agora já não me vêem.
Tornei-me invisível,
Um fantasma vivo, aos olhos do mundo;
Por isso já não tomo banho,
Fedo,
Pois quero provocar a sua atenção, amigo leitor,
Com o meu cheiro.