Copa do Mundo: Tudo ou Nada?
Na crítica estadunidense de Ridley Scoot, Cruzada (Kingdon of Heaven), em certa hora em que o rei Saladino está negociando a entrega de Jerusalém com Balian, espécie de herói que organiza a defesa da cidade, este pergunta ao rei algo como “o que significa Jerusalém para você?” este sábio e calmo responde, “nada” e sai andando quando depois de alguns passos gira o tronco, ergue os dois punhos em riste, como que comemorando, sorri e diz, completando, “Tudo!”.
Estamos há 1 semana do início de mais uma Copa do Mundo de Futebol. O evento, por “n” razões tomou uma proporção mundial absurda. Primeiro pela política de escolha da sede da competição. Depois pelo dinheiro gerado durante a mesma. Vemos também que uma Copa do Mundo de Futebol quase nunca avalia realmente quem joga melhor, a coisa toda acontece ali na hora, sorte e uma combinação de fatores.
É o período de 1 mês em que os países param, nem tanto, para ver o campeonato esportivo mais importante do planeta. Dizem que o nosso país é um país do futebol. Também é um país potência, é um país de esfomeados, um país de rico, um país de demasiadas desigualdades. Mas por esse ligeiro período o país fica alegre, festeiro, simpático, caótico, feliz. Amigos se reúnem para ver os jogos juntos, as comemorações após os jogos, quando se ganha (e quando se perde muitas vezes também) são perceptíveis e por aí vai.
Qual o problema?
Simples, estamos muito perto de uma eleição presidencial.
Podemos ver do prisma conhecido e mais do que revisto ao longo dos anos. O nosso povo, por não ser muito instruído (inclua aí todas as classes sociais), acha que política é coisa chata, que não merece atenção. Não lhe trás nenhuma satisfação. Seja porque os meios de comunicação façam tanto esdardalhaço, seja pela quantidade de problemas surgidos durante esses períodos de governo, seja pelo cansaço do povo frente a lentidão da solução dos problemas, esses que afundam no meio de mais outros tantos.
Já no futebol as pessoas têm a fácil agradabilidade. Já que mal ou bem temos a considerada melhor seleção de futebol do mundo e ela tende a colecionar vitórias e títulos. O que não deixa de ser ruim, se não fosse um meio de escape de toda uma população que passa necessidade e se não fosse o respiradouro daqueles que se dariam mal caso a Copa não estivesse aí. Em meio a conturbadas denúncias, apurações, greves de fome, veio a Copa, para acalmar os ânimos mais exaltados daqueles que estavam acompanhando a novela das CPIs e CPMIs.
Zangar-se por uma melhora efetiva a longo prazo na política brasileira ou se agradar vendo jogos de futebol? É de fato estranha toda essa projeção populacional. Eles projetam naquela seleção, temporariamente tudo o que lhes falta e mesmo assim, repetidamente, eles percebem que quando a Copa termina, seja ela vitoriosa para nós ou não, as coisas aqui não mudam.
Não mudam?
Creio que pode ser um tanto exagerada essa minha proposição, mas as mudanças que uma Copa trazem são muito menos perceptíveis que qualquer campanha eleitoral. Concordamos que, não sei quanto a ti leitor mas, o povo brasileiro é de uma forma excepcional guerreiro. Quem nos acusa de não trabalhar é porque mal nos conhece e merece tanto crédito e ouvidos quando uma pedra portuguesa.
O que mais vejo são pessoas que ralam o dia inteiro, de sol a chuva, vendendo qualquer coisa que possam vender para garantir o trocado do mês, da semana ou do dia. De biscoitos, artesanatos, sombrinhas, apetrechos e gadgets nosso povo pobre é aquele que rala. Quem, também, virá me dizer que nossa classe média não trabalha? Não vou mencionar os ricos porque eles não merecem serem mencionados.
O povo brasileiro tem essa capacidade do sorri em meio a sua miséria. Uma forma descompromissada de encarar a vida, mesmo a levando a sério. Tem uma capacidade de ajuda mútua, que em demais países se torna inadmissível. Filhos de até 30 anos continuando a morar com os pais. Filhos que são explorados pelos pais para por dinheiro em casa, “vai vender bala no sinal muleque”. Quem dirá que todo pai que faz isso quer o mal pro filho? Se o bem for aquele que leva o muleque para longe da favela, falta de visão do pai, sim, mas quem lho culpará por isso?
Nossa sociedade é um emaranhado complexo de efeitos e causas e prolongamentos que nunca poderá ser desnudado nem desfiado, já que quando desconstruído deixaria de dar coesão e liga a mesma sociedade, se desmantelando dessa forma. Temos que decidir nosso presidente, mesmo sem vontade alguma, queremos assistir a Copa naquela televisão nova que foi anunciada pela Casa e Vídeo a 12x sem juros e com preço camarada, nos escornamos para comprar uma televisão nova, nos enforcamos nas dívidas, comprando aquela cervejinha, petiscos, reunindo amigos, rindo, chorando, festejando, vivendo.
Um povo é feito de muito mais coisas que um espaço comum e as décadas que passam. Uma cultura é erigida muito mais pelas inutilidades que pelas decisões mais acertadas. A história nos mostra que muito mais pelo conjunto das coisas impróprias a própria historia toma rumos diversos e inesperados e só por essas pequenezas gigantes um grupo humano pode se chamar povo, nação. Seja com esse pensamento que eles se ergam a cada dia de seu chão imundo e lutem por suas vidas, que não são vividas, mas sobrevividas. Seja por aqueles que se prendem a essa experiência que chamamos vida a cada Copa, final, eleição.
O que realmente significa um campeonato mundial frente a máxima escolha política que um povo pode tomar? Aquele que exalta sua seleção como ídolos inalcançáveis pelos outros países? Como o sábio Saladino em Cruzada eu digo, o campeonato mundial significa Nada, ou seja, Tudo!