Uma velha ladeira
Como num dia sem reflexos, subia a famosa ladeira do cemitério de Itapuã. Perguntarem-me por vezes, direi que a eternidade seria menos ampla que as quantas ali subi. Não que houvesse feito, ciclicamente, intermináveis vezes, mas em todas consegui significado, tornando-as eternas. Só quem conhece o tombo de uma bicicleta sabe o significado dessa doce ladeira para mim. É mais que ferida n’alma: é uma cicatriz. Hoje falo dela, pois ao subi-la vi um garoto que, em sentido oposto, vinha no mesmo sentido que eu. Tive a sua idade naquela ladeira. Deus meu, quantas mais mesmas idades não terá a velha ladeira, quando meu tempo esmorecer? Talvez eu seja demasiado melancólico ao recompor – e não lembrar – fatos. E talvez o seja mesmo. Fato é que disso a ladeira não fará julgamento algum, pois ela basta-se a si mesma. Lembrará dezenas – e por que não hiperbolizar milhares? – de rostos, e, ainda assim, não lembrará nenhum. A velha ladeira encara a mim e ao menino, e a encaramos mutuamente. Um dia a encarei com os olhos do menino. Hoje, menino de verdade, encaro-a com os olhos e sem olhos. Basta-me não ver-lha: hoje sinto-a por completo.