Pollyana não!!!!!

Pollyana não!!!!!!

suzabarbi@hotmail.com

A vida não estava nada boa.

Martinha tinha vontade de reclamar de tudo.

Sair gritando o tanto que o mundo estava chato.

Mas foi pra casa.

E resolveu fazer uma sopa.

De cará.

Depois de encarar o chefe, um chato, saiu do serviço querendo morder um.

Ia morder o cará!

Não sabia a receita.

Cozinha não era lá o seu forte.

Ligou para a mãe e pediu socorro.

Receita passada.

Mas a mãe advertiu:

- Não molhe o cará antes de cortá-lo. Ele molhado, nunca mais vai parar na sua mão.

Quando estava descascando o dito, a campainha toca.

Era a síndica, mulher das mais falantes (e fumantes), querendo em uma frase dizer o que não caberia nem em um parágrafo.

- ...e aí a água vazou tanto, minha filha, que o vizinho debaixo veio correndo escada acima, xingando e como se não bastasse, atrás dele, veio a Sabrina, SEM COLEIRA, que amedrontou a filha do 505, que vinha descendo as escadas e acabou caindo no maior choro quando viu aquele cachorrão pela frente, o que, cá entre nós, eu acho um absurdo ter um cachorro daquele porte dentro de um...

- D. Penélope! Posso saber em que eu posso ajudá-la? Martinha, de cará na mão, falou de alto e bom tom para ver se aquela máquina de palavras parava de falar.

- Eu só queria saber...

E foi aí que o cará escorregou da mão de Martinha e saiu pelo corredor afora até alcançar as escadas.

Martinha tinha se esquecido do conselho da mãe.

Correndo atrás do maldito, Martinha nem lembrou que estava de meias.

Até hoje não se sabe quem chegou primeiro no andar de baixo: Martinha ou o cará.

O resultado da sopa foram duas costelas quebradas.

Saldo até bom para quem deslizou na baba do cará um lance inteiro de escada!

A cada respirada, Martinha pensava em como odiava cará.

Poeira ela não podia ver nem de longe.

Espirrar numa situação daquelas seria a morte.

Um mês depois de temer espirrar, tossir e até rir, Martinha encontra com uma amiga.

- Você está sumida!

- Nada demais. Apenas alergia a cará.

- Empolou?

- Deixa pra lá!

- Sabe que alergia pode até matar?

- Se sei...

- Mas agora está boa, né?

- Se odiar meu serviço, achar meu chefe um chato de galochas, ganhar pouco, sentir dor a cada respirada por conta de um tombo idiota, se sentir velha, não enxergar de perto, não dormir direito é estar boa, eu estou ó-ti-ma!

- Que isso, Martinha! Não fala assim não. Você deve levantar a mão pro céu e agradecer de ter saúde!

- Pelamordedeus, Berê, não me venha dar uma de Pollyana numa hora que eu quero é reclamar! Amanhã eu vou me lembrar que saúde é a coisa mais importante que eu tenho nessa vida. Mas hoje eu quero é me esparramar. Posso?

E saiu dali pensando em como que as pessoas têm o dom de querer consolar.

Ninguém gosta de escutar alguém reclamar sem querer abafar o desabafo.

No dia seguinte, domingo, resolveu caminhar.

Para espairecer.

Tirar o mofo do mês passado gemendo a cada respirada.

Nem ao menos tinha completado a primeira volta na praça, um senhor de barbas brancas acercou-se dela.

- Nova por aqui?

Martinha, que sempre gostou de caminhar sozinha, odiou o intruso logo de cara.

- Não! Ando aqui todos os dias.

- Como nunca te vi?

- Não faço a menor idéia!

E apressou o passo para ver se ficava livre do inconveniente.

Nada.

Ele apertou o passo junto com ela e disparou a falar de tudo, enquanto Martinha só queria o silêncio.

Abandonou a caminhada mal disfarçando o mau humor e foi embora para casa, querendo pinçar um a um os fios daquela barba branca desagradável.

No dia seguinte, lá estava ele.

Ela danou a correr.

Ele não deu conta de acompanhá-la.

E ela ficou espantada com sua forma física.

Nunca imaginou que pudesse correr assim.

Assim foram dias seguidos: bastava ver as barbas brancas que Martinha corria.

E como corria.

Chegou um dia que ela percebeu que corria sem ver as barbas brancas.

Tomou gosto.

Passou a correr em maratonas.

Chegava sempre entre os primeiros.

Até que se inscreveu na grande maratona de NY.

Venceu!

Foi capa de jornais, revistas.

Foi entrevistada.

Apareceu na televisão.

Virou um sucesso.

Entre um compromisso e outro, encontrou com a velha amiga.

- Quem diria, heim Martinha? Um dia reclamando tanto da vida e outro em todos os jornais! Não te falei que o importante é a saúde?

Que Deus é mais? E quando Ele fecha uma porta, abre uma janela?

- Pelamordedeus, Berê, deixa a Pollyana descansar!

E saiu feliz da vida porque sabia que viver é a melhor aventura.

Sem pollyanas para justificar.

(Dedicado a Eliana. Minha amiga Li)