CÍRIO DE NAZARÉ: Uma Crônica
Observo pela TV um documentário sobre a procissão do Círio de Nazaré em Belém do Pará; saboreio o meu preconceito, cultivo o meu mal-dizer e meu mal-pensar:
" Que ridícula cena é esse povo todo se ferindo, se matando, para tocar num pedaço de corda. Que bobagem!"
Será preciso mesmo todo esse ritual, esse sofrimento todo para ter um contato com o Divino?
Será?
Claro que não, mas essa é a minha opinião, não se aplica ao caminho dos outros. No caminho dos outros, cada um tem seu olhar, o seu experimentar. Se o Divino faz contato diferentemente com cada uma da minha gente, por que seguiria somente a minha idéia de religar?
Não é o povo que é burro é o meu olhar – não estou no outro, como posso saber o que o outro está experimentando?
Não posso, mas consigo imaginar, basta me colocar em seu lugar e estou lá; no corpo do outro, sentindo a fé na pele, nas mãos, no olhar, no Círio.
Escuto a oração coletiva.
A vibração da massa entrando nos poros,
Correndo na alma;
Mil cores explodindo,
Sentindo amor, temor e respeito
Pelo Nosso Senhor,
Por Nossa Senhora,
Por Todos os Santos,
Pela Igreja.
Meu corpo dói, meu sangue se mistura com suor;
Mas estou feliz,
Realizado por ter concluído o meu grande sonho e ter conseguido chegar ali.
Cada tostão que foi gasto, cada centavo que ganhei no trabalho e que foi usado para que eu pudesse ter esse contato com o Divino; por isso, vou aguentar até o fim, que caia o céu, que caiam os outros, mas eu não vou cair.
A dor se torna prazer, o prazer leva ao êxtase, o êxtase leva as cores explodindo na minha cabeça, o céu se abrindo e a fé gritando: EU SINTO, EU SINTO!!!
Então, volto para dentro dos olhos do eu-telespectador; eles estão se enchendo d'água e afogando o eu-prepotente que acha que a minha certeza espiritual é refresco na fé dos outros e que qualquer ato religioso que não passe na cartilha da minha lógica é perda de tempo para a minha gente.
Talvez esse caminho não seja para mim, mas por não ter percorrido essa trilha, não significa que ela não seja necessária para outra pessoa, por isso estou deixando o outro no cantinho dele.
Kali ou Aparecida – cada qual com o seu olhar, cada qual com o Divino que escolheu para a sua vida.