Meus momentos históricos
Pelé fez exatos 1.282 gols, e eu vi um ao vivo. Foi na inauguração da iluminação no estádio do Santa Cruz. Fui com meu pai, tricolor fanático. Lembro que, na entrada do Arruda, a multidão nos levava como uma onda. O radinho de pilha do meu pai caiu e foi pisoteado. Faltou energia, achei lindo o espetáculo de mil cigarros sendo acesos nas arquibancadas, ao mesmo tempo, como uma nuvem de pirilampos. Foi a primeira vez que fui a um campo de futebol das dimensões do estádio coral.
Pelé era a grande estrela daquele time fantástico do Santos. Ainda no primeiro tempo, Pelé chutou do meio de campo e o goleiro do Santa Cruz, um tal de Lula Vasquez, abaixou-se e deixou passar o tiro de meia altura. Ainda hoje penso que o goleiro quis levar o gol para contar aos netos. O Santos venceu por 4 a 0.
Lula do PT esteve em Itabaiana em 1987, e lá tomamos umas e outras com o “sapo barbudo”. No meio da conversa sobre política, Lula começou a falar de futebol e perguntou quais os times que a gente torcia em São Paulo. Não havia nenhum corintiano no grupo, e ele, exibindo orgulhoso a camiseta do seu Corinthians por baixo da camisa: “Ninguém é perfeito!”.
Nos meus momentos históricos, consta que o arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, censurou um texto meu. Foi durante os conflitos na fazenda Alagamar, área onde se deu o maior quebra-pau pela posse da terra na Paraíba, durante a ditadura militar. O bispo participou diretamente dos mutirões e roçados comunitários, bateu boca com os milicos, organizou o povo e levou artistas a se engajarem nessa luta. Um deles foi o artista plástico, poeta e dramaturgo Waldemar Solha. Era a tal da arte engajada. Solha com o maestro Augusto Kaplan, recentemente falecido, assinaram a “Cantata para Alagamar”, uma experiência humana e musical marcante, conforme suas próprias palavras. Pois em 1977, o bispo D. José levou a Cantata para ser executada em Itabaiana, na Igreja Matriz, e pediu ao pároco a fineza de arrumar uns artistas amadores locais para encenar um sketch sobre o tema da luta dos camponeses. O padre Pedro procurou o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana, encomendando um texto para abrir o espetáculo musical, que seria a “Cantata para Alagamar”, uma espécie de ópera camponesa em favor da reforma agrária.
Na ocasião, escrevi um texto chamado “A tragédia do lavrador a caminho do calvário”. O padre levou o texto ao bispo, que o devolveu com muitos cortes. A ditadura dos milicos estava em plena efervescência, espiões por toda parte. O valente bispo “Dom Pelé” recuou, acho até que para preservar a segurança dos jovens atores, cortando as cenas mais fortes. Fiquei muito revoltado, e não aceitei a censura episcopal. “Para isso já temos a Polícia Federal e o Dops”, reclamaram os atores. E não apresentamos o espetáculo, por não aceitar a censura “retrógrada e nada democrática” do bispo D. José.
Anos depois fomos vítimas da intolerância da direita e do autoritarismo da esquerda. Compreendi afinal que o bispo não se acreditava no sagrado direito de definir o que é ou não adequado para um bando de moleques metidos a subversivos. Naquele tempo, como de certa forma ainda atualmente, essa história de liberdade de expressão era e é coisa muito relativa.
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