À amizade
“Juntos, a angústia não é parte do significado” Tenório Valjean.
Estaria, no momento do meu relato, o globo noturno “da” terra mais que esplêndido? Rir-me-ão os que comigo conviveram, tenho certeza. Noite, tempestuosa noite (haveria um melhor adjetivo a lhe colocar?). Entramos no condomínio de Léo, pela madrugada. Meus amigos – exceto eu, e isso se mostrará mais do que óbvio – encontravam-se, como se poderá dizer, com o estado da consciência alterado. Calma. Era uma leve – leve? – dose de álcool. O condomínio de que lhes falo é belíssimo. Um fato o torna singular: é carregado de patos. Ricardo Lantyer, vulgo animal – e, ainda, sob certos aspectos que, ao meu ver, não são verdadeiros, chamado de louco -, foi o gênio que propôs e – vejam! – executou a tarefa. Parou, arrostou o medo; não mediu conseqüências; correu: “os patos são meus!” Eu, o inocente, era o camera man, e atrás do meu amigo são eu fui. Com sua camisa – invade-me um pensamento: imaginava ele ser aquilo uma espada? – atacou os patos que, assustadíssimos, fizeram somente movimentar-se um pouco (nem chegaram a correr). E eu que, sem falsa modéstia, domino perfeitamente a arte de filmar, nos primeiros segundos escorreguei; não filmei nada. Espigão – Diego Ataíde – só ria dos imbecis, enquanto Léo, bem... Léo foi esconder-se, afinal o condomínio era dele! Apesar do interessante contato espiritual com os patos, não é bem sobre isso que vim falar. Frustrada a operação caça aos patos, Ricardo, a mente que não pára de produzir idéias, resolveu dar sentido à noite: vamos roubar cones! Poucos, e uso essa palavra creio que de forma precisa, conhecem a enorme emoção de furtar um cone: a infração sigilosa é a alma do negócio. Entramos no carro (espigão, o animal e eu) e seguimos. Um parêntese. Nesse momento, Léo havia ido ao banheiro (dizia sentir fortes dores na barriga). Passamos frente à guarita e, ao menos se esperar... Não houve nada. Ricardo, o idiota no banco do carona, não sentiu a descarga necessária de adrenalina. Fizemos a volta. Lentos, nossos corações caminhavam rápidos. Passou-se uma guarita; na segunda, um cone é suspenso e...Vai parar dentro do carro! Espigão (deitado) é o primeiro a gritar: Cigano, eu tô dormindo, viu! Cigano – apelido sem cabimento – sou eu. Acelerei o carro. Fugíamos. Íamos com pressa, mas não porque alguém nos seguia: seguia-nos, em verdade, a nossa própria consciência. Éramos, de verdade, ladrões. Perfeitos ladrões... Aqui cabe uma pergunta: estaria a lua mais que esplêndida naquele dia? Não o sei. Nesse dia observei somente a amizade.