Os sonhos nunca morrem

Aos setenta anos vendo a sua enorme família (ao som de Raul Seixas –“...tenha fé em Deus, tenha fé na vida,...TENTE OUTRA VEZ...”) que construiu com a sua amada, aposentado e apenas desfrutando aquilo que conquistou com muito suor, ninguém imagina que até aos trinta anos era um homem triste, sem amigos, de poucos colegas e namoros mal sucedidos. E ao contrário de muitos que quando chegam nessas condições procuram a morte como solução, ele não desistia de realizar os seus sonhos.

Sonhos que não eram extravagantes e nem impossíveis como a maioria dos jovens de sua idade buscam alcançar, queria ser engenheiro, casar, conhecer o Brasil, ter três filhos e quando mais velho brincar com os netos de futebol, ensinar rodar o pião, tentar jogar o vídeo game de última geração o “Play Station 20”, onde você interage com o jogo em uma espécie de “Matrix”, e claro, como dizem por aí, “estragá-los” ensinando alguns palavrões.

Sua família o ajudava a não desanimar com as dificuldades encontradas, sabia da sua capacidade, sempre foi um garoto inteligente e um homem responsável, nos seus momentos de tristeza e lamentações, lá estavam trazendo para o alto da montanha para ver o belo brilho do Sol, falavam que a sorte ainda viria bastava ter um pouco mais de paciência, entre os seus familiares também era muito bem quisto, seus primos diziam que ele era o queridinho da família.

Dedicado aos estudos tinha facilidades com as disciplinas o que causava um pouco de ciúmes entre seus “colegas”, normal para a faixa etária, como os seus hábitos já eram diferentes em relação aos outros (trabalhava, conversava muito bem, possuía um relacionamento muito bom com os seus professores, possuía objetivos), não andavam muito em sua companhia, o consideravam “careta”, só era lembrado nas avaliações em grupos e nos campeonatos (era um excelente goleiro).

Terminou os estudos com tranquilidade, porém sem um único amigo, digo amigo igual aquele das músicas do Rei Roberto Carlos e do Milton Nascimento e isso o deixava incomodado. Sabia que apenas com suas boas notas não seria suficiente para garantia de um bom emprego, foi ajudante de pedreiro, limpou sítios, trabalhou em uma serralheria até se firmar em uma empresa de produtos de lazer.

Como na escola, por ter um pouco mais facilidade para assimilar as coisas, logo se destacou entre os funcionários e diferente da escola ali era uma selva sem lei, todos os dias precisava demonstrar a sua capacidade, não se importava com isso queria juntar dinheiro para a sua faculdade, fez cursos para melhorar o seu desempenho e com o tempo percebeu que o reconhecimento profissional e financeiro não viriam, e honestamente se desligou da empresa depois de sete anos.

Desempregado voltou a dedicar-se nos estudos, passou no Enem com uma média de 73%, pouco para conseguir uma bolsa do Prouni no curso de engenharia, decidiu fazer Licenciatura em Matemática, nos primeiros seis meses balançou, havia dúvidas sobre o seu curso, nas férias viajou e sentiu que como professor poderia contribuir com algo.

E para lhe ajudar apaixonou-se por uma bela garota do curso de Licenciatura em Letras, corajosamente pediu-a em namoro, sem sucesso, e pela primeira vez tinha ao seu lado um AMIGO, aquele igual ao das músicas do Rei Roberto Carlos e do Milton Nascimento. Ainda ficou desempregado por dois anos, aos trinta anos, sendo assistido por seus pais e sem um amor, sua mãe o animava, dizia que nada era para sempre, a sua sorte estaria por vir antes que ele imaginasse, ao término da faculdade começou a lecionar nas escolas do bairro, conciliava com um emprego de auxiliar de limpeza que conseguiu por meio de uma indicação do colega de seu pai.

E foi numa dessas escolas que reencontrou a sua paixão, estava muito mais linda, uma bela professora de Português. Sem ter mais o que perder, resolveu investir naquela mulher, cortou o cabelo, aparou a barba, melhorou o seu visual e voltou a praticar esportes, seus alunos nem o reconheceram, aquela simples mudança fez com que ela o lembrasse dos tempos de faculdade, ela também sentia algo forte por ele, no entanto suas colegas do tempo de facul zombavam dela diziam que aquele homem troncho, desarrumado e maltrapilho não era o ideal para namorar tendo tantas opções de garotos malhados (só não complementavam, com cérebro de azeitona, mas deixa pra lá).

Sua saída da inércia impulsionou ainda mais o seu namoro, soube dela que também era apaixonada por ele nos tempos da faculdade, e que infelizmente ao ouvir as suas “colegas”, não deixou, a voz do seu coração, falar sim para ele naquele dia, feliz com a declaração prometeu que assim que passasse no concurso do estado, pediria ela em casamento, dito e feito, um ano depois marcava o casamento para Dezembro nas férias escolares.

Pronto, a tão esperada sorte chegava, dez anos depois se considerava o homem mais sortudo do mundo, sua paixão por aquela mulher multiplicava a cada ano, o seu amor não tinha dimensões, com casa própria, dois filhos e a sua bela esposa ao lado, aproveitava ao máximo os momentos, seus pais, antes angustiados, eram só alegria, felizes por ver no rosto de seu filho a expressão da felicidade, cumpriam a sua missão, poderiam partir para junto de Deus quando Ele quisesse.

O seu terceiro filho quase completava o seu pequeno sonho, quinze anos depois o seu primogênito lhe dava o primeiro neto, transbordava de emoção quando pegou o seu neto no colo, teve a mesma sensação de quando pegou os seus três filhos, mal sabia que mais nove viriam no futuro, ao se aposentar iniciou com a sua mulher um tour pelo Brasil, conheceu inúmeros lugares dignos de guardarem em fotos e na lembrança.

No aniversário de setenta anos reuniu toda a família, primos, cunhados, cunhadas, colegas de profissão e o seu único e melhor amigo, EU, isso mesmo EU, logo que criamos um vínculo na faculdade, acompanhei toda a sua trajetória, todo o seu esforço, as suas alegrias, a sua decepção com aquela que um dia se tornaria a sua esposa, nossas famílias caminharam juntas durante todos esses anos, e hoje estou aqui em um canto da festa, vendo em sua feição, castigada pelo tempo, uma vida que poderia transformar tranquilamente em uma biografia de superação, fé, amor e felicidade. (“...você tem dois pés pra cruzar a ponte..., nada acabou...”)

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 12/07/2009
Código do texto: T1694984
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.