EU AZEDO. TU AZEDAS. ELE AZEDA...

Não é preciso ser sensitivo para perceber a energia traventa de alguém. Mesmo quando este alguém está a mais de dez passos de você.

Confirmei isto ao me aproximar dela.

_ Ainda são cinco horas?!

A garota estava visivelmente azeda.

Claro que ela se dirigiu ao empacotador, afinal eu era uma mera cliente.

E, novamente não precisei de bola de cristal para descobrir - através do reclame expurgado pelo hálito cítrico - que o azedume vinha da má vontade de trabalhar até as seis.

Juro que senti vontade de chamar o gerente e lhe sugerir que atendesse o anseio da funcionária e a mandasse logo para casa, antes que azedasse uns e outros ao seu redor.

Inacreditavelmente numa época em que a disputa por uma vaga no mercado de trabalho é quase uma guerra de currículos e referências, ainda se vê pessoas com a cara feia da má vontade ocupando o lugar onde, perfeitamente, poderia estar sentado alguém gentil e sorridente agarrando-se com unhas e dentes naquela oportunidade.

Não chamei o gerente. Não fiz a observação. Desejei que a menina estivesse apenas num mau dia.

Porém, senti-me omissa. Enchi-me da culpa dos que lavam as mãos. Dos que acreditam que nada vai mudar. Que a humanidade caminha para era cibernética, onde sentimentos como o comprometimento, o respeito, a educação e a afetividade fatalmente ficarão obsoletos.

Então, resolvi escrever sobre o assunto.

Não é a primeira vez que faço isto. Aliás, há tempo descobri que tenho uma promissora semente nas mãos e semeá-la tem sido um grande prazer.

Jogo-o sem grande intenção,mas com o coração derramando o adubo para que ela cresça, floresça e dê frutos. E quando alguém me interpela para dizer que leu minha crônica e que assina embaixo, faço minha desejada colheita.

Acabei de semear esta aqui. Torço para que muitos que andam azedos por aí a leiam e permitam-se modificarem o teor, tornando-se mais doces e dóceis.

Já não me sinto omissa. Não faço parte dos que se incorporaram à geração robótica.

Morrerei plantando a certeza de que impessoalidade não é sinônimo de eficiência. E que nenhum atendimento de ponta substituirá a arcaica gentileza.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 11/07/2009
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